Capítulo 01: Você poderia...?

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 A brisa fresca que indicava o primeiro despontar da primavera me soprava agradavelmente o rosto, trazendo consigo o farfalhar das folhas da floresta próxima ao acampamento grego. Aquele pequeno espaço de calmaria, sempre para minha surpresa mas nunca para meu desagrado, trazia-me uma estranha paz em meio às incertezas cotidianas inerentes à guerra na qual estávamos envolvidos. O sétimo ano de confrontos intermináveis já se desenrolava, então, ainda que singela, eu havia aprendido, qualquer fonte de paz deveria ser agarrada com unhas e dentes.

 Levantei os olhos mediante o barulho de um galho se partindo. A minha frente, a causadora do som repentino: uma delicada figura de trajes alvos que caminhava com os pés desnudos. Um sorriso pequeno desenhou-se em meus lábios. O vestido de Briseida, já rotineiramente ajustado à altura dos joelhos, vibrava em pequenas ondas com o balançar do vento. Era, sem dúvidas, mais uma das agradáveis tardes que compartilhávamos no que eu já considerava nossa floresta. Nosso pequeno, mas simultaneamente precioso, refúgio.

 Não era raro que eu fosse ali em sua companhia. Pelo contrário, já havia perdido a conta das inúmeras horas que passávamos juntos trocando informações sobre medicina ou conhecimentos da flora local, ou simplesmente comentando a petulância nauseante de um de nossos comandantes ou rindo de piadas trocadas. Eram, cada um deles, momentos especiais e únicos, mesmo que frequentes e abundantes. Hoje poderia muito bem ser como todos esses dias, mas algo o tornava diferente; algo que, por sinal, já começava a apertar-me o peito. Eu tinha um pedido a lhe fazer.

 — Pátroclo — a voz de Briseida cortou o silêncio verbal quando esta cessou seus passos, virando-se para mim e arrancando-me de meus próprios pensamentos.

 Seus olhos, sempre intensos, pareciam especialmente penetrantes quando ela os estreitou de leve, fixando-os aos meus.

 — Sim? — respondi-lhe, não tardando a desviar meu olhar. Por alguma estranha razão, o caminhar das formigas em uma árvore atrás dela começara a parecer-me extraordinariamente interessante.

 Briseida manteve-se em silêncio pelo que julguei serem seis segundos, nos quais não desgrudou as orbes negras de mim. Me analisava.

 Ao fim de sua tarefa, pronunciou-se:

 — Há algo lhe perturbando. — Não era uma pergunta. Óbvio que não, ela me conhecia bem demais para que o fosse.

 — Talvez haja. — Disse-lhe apenas. Ela já havia mostrado que rodeios não serviriam de muito, então não havia razão para fazer negações vãs.

 — Algo sobre Aquiles? — continuou, dando as costas para mim enquanto subia em um galho robusto de uma das árvores que nos cercavam.

 Quando, enfim, estava confortavelmente acomodada no alto, estendeu a mão em minha direção, como sempre fazíamos em auxílio um do outro. Eu, porém, não a agarrei. Congelara à menção do nome e suspeitava fortemente que minhas bochechas já estavam avermelhadas, dada a quentura que as consumia. Pelos deuses, como ela sempre conseguia ser tão estupidamente precisa quando se tratava de mim?

 Briseida sorriu.

 — Parece que sim.

 — Sim... — confirmei, deixando meu transe mediante o som de sua voz e estendendo a mão para finalmente agarrar a dela.

 Suspirei quando me pus ao seu lado, mal percebendo que apertava a barra de minha túnica pelo nervosismo. Tinha consciência de que estávamos prestes a entrar em uma zona perigosa; ela se tornara perigosa desde aquele dia; desde o dia em que a natureza de seus sentimentos em relação a mim havia se tornado clara. Não sabia se seria uma conversa fácil e definitivamente não queria magoá-la no decorrer desta, mas era importante. Era o segundo pedido mais importante de minha vida e eu não poderia fazê-lo a outra pessoa que não Briseida.

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