04 - Cólera do Oráculo

22 3 0
                                    

O verão em Arabor variava de um lugar ao outro, quente e seco no sul, úmido no leste, e até um tanto fresco no norte, mas no oeste era tão escaldante que um homem despreparado para aquelas condições climáticas morreria em algumas horas, fosse por andar a esmo na vastidão de um deserto assassino, ou morto pelo perigoso povo que lá habitava, os górgons.

Anul Simbal era um nome de prestígio e respeito naquelas terras, pois foi o nome do primeiro sultão daquela região, o primeiro governante górgon. Ele era um guerreiro temido, um usuário da magia antiga e um líder eloquente que deixou o seu nome e o seu legado registrado e lembrado em muitos lugares. O deserto de Anul Simbal, dado o nome em sua homenagem, compreendia todo o Oeste, desde a bela e intocada joia do deserto, a cidade de Kaldar, até os inúmeros templos dedicados para uma divindade esquecida há mais de três mil anos, pois diferentemente dos outros povos que guardavam os registros mais recentes de pouco mais de mil anos, os górgons iam muito mais além, lembrando-se de eventos da Segunda Era, tão nítidos em suas memórias, mesmo hoje, na turbulenta Quinta Era.

Era a caminho de um desses famosos templos que aquele rapaz se encaminhava. Uma noite mais escura e sombria do que as habituais cobria aquele céu estrelado, as areias do deserto tão douradas durante o dia permaneciam cintilantes perante a luz da lua, e os primeiros e majestosos pilares que erguiam aquele grandioso santuário construído com pesados blocos de calcário e granito, já podiam ser vistos e admirados.

Galien estava amedrontado, pois havia fugido, abandonado o seu povo em uma hora que tanto precisava de ajuda, pois enquanto estava ali contemplando o seu destino, a fronteira do deserto era atacada e dominada pelos ambiciosos humanos. Nunca em toda a sua existência, aquela terra sagrada foi tocada por estrangeiros, mas a pouca fé enfraqueceu o seu povo, por isso, ele sabia o que tinha que fazer, mesmo que isso custasse a sua honra ou até mesmo a sua vida.

Quando era pequeno, seu pai o levava inúmeras vezes para contemplar o tesouro mais precioso do seu povo, a lança dourada destruidora de corpos, a “Víbora”. Todas as vezes que a via, seu pai lhe contava uma história diferente e fascinante sobre ela, contudo, nunca imaginou que um dia precisaria roubá-la, e nesse momento, sentiu-se um traidor, mas ao lembrar-se dos motivos que o levaram até ali, sacudiu a sua cabeça tentando esquecer seus tormentos, desceu do seu cavalo e caminhou na direção do Templo do Oráculo, o maior e mais antigo de todos os templos górgons.

Todo construído com rochas, aquele templo permaneceu intacto por todos esses anos, mesmo diante das mudanças climáticas e ações do tempo. Uma dúzia de pilares erguia-se em todo o seu esplendor, enfeitando as laterais daquele edifício. Uma longa e larga escadaria de pedra levava até a entrada do templo, sem portas, um local aberto e acolhedor para qualquer um que ali precisasse buscar refúgio.

Galien subiu a tortuosa escadaria, sacou uma singela espada da sua cintura, e derramou sobre a lâmina um líquido vermelho contido em um pequeno frasco que ele segurava, desde que deixara o cavalo para trás. Aquilo era veneno de estrela-da-areia, uma rara flor do deserto, detentora de uma toxina bem letal e paralisante, inútil contra o que habitava o interior daquele templo, mas necessária para o plano do górgon, pois o faria ganhar tempo, e era isso o que mais precisava, então, respirou fundo e adentrou naquele inóspito recinto.

O interior do templo tinha um aspecto desolador, com teias de aranha cobrindo o teto escuro e amontoados de areia por todo o piso sujo e envelhecido. O único detalhe reconfortante era o demasiado número de tochas presas nas paredes de todo aquele grande saguão, com suas chamas acesas, iluminando e dando um pouco de conforto para aquele desorientado jovem em busca daquilo que ele sabia que não obteria com tanta facilidade.

O saguão estava vazio, sem absolutamente nada para observar, apenas alguns dizeres escritos nas paredes do local, em uma língua incompreensível ao jovem górgon, pois era o idioma primitivo. Já sabendo aonde precisava ir, o rapaz dirigiu-se ao único corredor disponível, um caminho comprido e estreito que levava para a sala dos tesouros, então, quando atravessou-o, uma figura alta e imponente já o esperava, bloqueando a passagem.

Sangue de Lugh - Seita do ExílioOnde histórias criam vida. Descubra agora