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As árvores dificultavam o processo para os sem costume com a vegetação que fechava a paisagem de ponta a ponta. Muitas vezes, estar alguns metros da linha do mar, despertava o pavor nos homens. Para aqueles que chegavam à nova terra, homens que desmitificavam o oceano, que quebravam a linha do horizonte e enfrentavam os monstros e lendas, ao fixarem os pés na areia, protegendo-se do sol que castigava a pele, encaravam a densidade da mata a frente, para eles, virgem, e se perguntavam se deveriam explorá-la.

— O caminho fica à frente — D. Emmanuel de Cunha, comandante e Ouvidor-geral, escolhido para fundar o engenho, sob a ordem do rei de Portugal D. João III, na tentativa de impedir que piratas, corsários e outros reinos explorassem suas terras, avisou aos seus homens com a voz altiva.

— Esse é, sem quaisquer dúvidas, o lugar mais primitivo em que meus pés pisaram — resmungou Manuel Felipe Alvares de Cunha, primogênito do Ouvidor-geral, incluído na expedição como forma de educá-lo para as responsabilidades que lhe aguardavam.

— Olhe para toda esta terra, Manuel. É sua, Aqui serás rei.

O rapaz desdenhou. Qual sedução em uma terra sem civilização, longe da riqueza, em um calor que sufocava, separado das ruas, das bebidas e das saias com camadas por um oceano que lhe inspirava perigo? Aquela realidade se afastava da ambição do rapaz que vivera desfrutando de todas as regalias alcançadas pelo pai.

Manuel desviava de tudo o que inspirava decoro, forçando o pai a embarcá-lo na expedição, uma maneira de impedi-lo de arruinar o nome da família. Manuel beirava a punição por parte do rei, ao seduzir uma de suas amantes.

D. Emmanuel não compreendia o comportamento do filho. Em sua posição conseguiria a atenção de muitas mulheres. Faria um excelente casamento e possuía todos os meios para traçar uma vida farta. Mas Manuel se desinteressava pelas intenções do pai. Aventurava-se entre saias proibidas, escandalizava o reino, desonrava o nome da família. D. Emmanuel de Cunha, um dos homens de confiança do rei, teria que evitar essa ruína.

— Os homens abriram caminho há tempos. O engenho é um terreno seguro, bem guardado. E os selvagens são receptivos — avisou ao filho. — Tem-se estas terras como uma das mais promissoras. D. João III ficará satisfeito.

— Isso se não voltarmos para casa em caixões — resmungou Manuel, estapeando-se outra vez, incomodado com os pernilongos. — Quantos tipos de doenças podemos contrair com essas picadas?

Manuel ignorou o olhar de censura do pai. Não enxergava as vantagens daquela expedição e por que precisava acompanhá-lo na expedição.

O engenho precário inspirava segurança. A casa grande, inferior à que habitavam em Portugal, fora levantada sem os requintes da sociedade, possuindo a finalidade de os abrigar do sol, do frio e da chuva. Sem mordomia.

Foi desse jeito que Manuel encarou os primeiros dias naquelas terras. Incomodava-se com tudo, desobrigava-se a acompanhar o pai em sua exploração, entediava-se com os relatos. Porém, gostava de observar os nativos. A maneira a aproximação curiosa, a beleza exposta das mulheres, peles escuras, diferentes das negras que costumava ter em sua cama.

As escravas serviam com obediência e o que lhe fazia perder o gosto. As nativas eram guerreiras. Encaravam os homens sem temer-lhes, mantinham o olhar, não coravam ou fingiam inocência. Sequer se envergonhavam da nudez. Sedutoras de forma a superar os relatos dos homens que  tiveram contato com os aqueles seres.

Os índios, nome atribuído a raça pelos homens, chegavam, faziam os seus acertos, e partiam pela mata sem medo. Manuel se interessava por aqueles seres mais do que pelo que seu pai dizia ser o seu passo em busca da prosperidade. Gostava de caminhar até a praia, encontrar os nativos em quantidade. Crianças com habilidades na pesca que superavam seus homens.

Por toda a EternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora