Ogígia (1.2)

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A paisagem não combinava com as suas lembranças. Ele recordava muito bem da sensação de ardência dos grãos de areia em sua pele ao ser pisoteado pelo grupo de macacos. Agora, um lençol macio de grama muito verde se estendia debaixo dele feito um aconchegante colchão natural. Roger ergueu o tronco, olhando ao seu redor. Aquela definitivamente não era a praia onde fora atacado. Seria o céu? Pois era bastante semelhante à imagem mental que possuía do paraíso.

            De todos os lugares que se olhasse, havia canteiros de belíssimas flores, vivas, coloridas e de formatos jamais vistos pelo rapaz. Os canteiros formavam inúmeros caminhos, que convergiam para a entrada de uma caverna circundada externamente por videiras e trepadeiras floridas. Um som tranquilizante de água caindo se fazia ouvir, e Roger reparou, ao se levantar, que vinha de várias fontes de pedra que se posicionavam a distâncias exatas umas das outras. Sobressaltado, ele percebeu que não tinha sido apenas levado da praia. Tinha saído da ilha também.

            Roger ergueu os dedos até o pescoço, tocando levemente o local onde o violento animal o mordera. A ferida ainda doía ao contato, mas já começava a sarar. Ele tateou o restante do corpo. Todos os seus machucados estavam secos, completamente livres de sangue e pus. Então se lembrou do desconhecido que o salvara no último momento. Desconhecido, não. Timothy. O pai dele.

- Pai! Onde está você? – Roger gritou, repentinamente animado – Pai, eu estou aqui! Estou acordado!

            Ele andou pelo caminho vegetal bem-cuidado com passos vacilantes. Suas pernas ainda estavam dormentes e doloridas, obrigando-o a mancar um pouco durante as passadas. Esquadrinhou com os olhos todo o amplo jardim, no entanto, não encontrou nenhum sinal  da roupa habitual de marinheiro ou do sorriso alegre de Timothy.

            De repente, vindo de lugar nenhum, como se estivesse dentro de um dos seus mais belos e delirantes sonhos, uma voz falou. O timbre melodioso e calmo fez com que Roger se virasse, cativado imediatamente por aquele belo som.

            A dona da voz era igualmente encantadora. Seus olhos eram idênticos ao azul claro e pálido do mar que rodeava aquela ilha, o azul de um oceano intocado. O cabelo acaju se estendia sobre o ombro direito, encontrando um fim apenas bem próximo da cintura. Usava um vestido branco sem mangas, com babados que remetiam às roupas clássicas greco-romanas. Ela estava descalça, parada bem diante dele, e a proximidade, aliada à inesperada visão, fez  seu coração palpitar tão rápido quanto havia feito durante a briga com os macacos na floresta.

- A pessoa pela qual você chama não está aqui. – foi o que a voz falou.

            Apesar de querer muito rever o pai, Roger demorou um tempo para entender do que a jovem garota estava falando. Quando o fez, ela já formava outra frase.

- Como estão os machucados?

            A mão dele instintivamente percorreu a ferida no pescoço.

- Quase não me incomodam. – ele respondeu, recobrando a fala. Os lábios fartos da moça formaram um meio-sorriso de satisfação que provocou seu peito outra vez.

- Quem é você? – Roger conseguiu balbuciar – onde estou?

- Meu nome é Calypso. – a misteriosa mulher, de incríveis beleza e voz informou – E esta é a ilha de Ogígia.

- Ilha? Mas este não se parece nem um pouco com o lugar onde eu estava. Quero dizer, estamos em um jardim. Vivi uma semana praticamente inteira em uma floresta.

- Ogígia é muito grande. – a linda Calypso respondeu – você estava na porção selvagem da ilha. Esta aqui é a Montanha. É afastada da floresta e dos animais perigosos. E é onde eu vivo.

CalypsoOnde histórias criam vida. Descubra agora