Eternidade (1.2)

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Chegou sem fazer barulho à gruta mágica. Sabia que ela já dormia. Retirou as botas e as juntou no canto em que sempre deixava. Caminhou pelos corredores encobertos por pinturas, tomado por nova clareza. Conseguia entender melhor agora o que se remexia dentro dele há semanas feito um ser vivo impulsionado pela presença dela. Entendia porque aquele local, que deveria trazê-lo más lembranças, ao invés disso, fazia-o se sentir, de certa forma, em casa. 

            Parou em frente à abertura decorada por lençóis brancos. Afastou-os delicadamente, obtendo a visão que desejava. Calypso dormia tranquilamente, esquecida das tragédias de sua vida, do desastre que havia sido conhecer o amor. Qualquer forma de amor. Agarrada, durante os sonhos, pelo único motor que a mantinha seguindo em frente: a perseverança.

            Ele perdeu a noção do tempo em que ficou ali parado, apenas observando sua respiração leve e calculada. A verdade é que jamais se sentira tão bem em esquecer de pensar.

            O canto dos pássaros o acordou no dia seguinte, exatamente do jeito ao qual se acostumara. Ele se levantou, vestiu uma das roupas feitas por ela e calçou as botas. Voltou até o cômodo cuja maior parte da noite anterior passou observando-a, mas Calypso já havia saído.

            Roger estranhou. Eles sempre deixavam a gruta juntos, seguindo pela Montanha abaixo até a praia, onde se separavam para realizar suas tarefas específicas.

— Talvez já tenha descido. — Ele pensou em voz alta.

            Apanhou seu machado de obsidiana e atravessou, sozinho, o terreno íngreme até a praia na qual quase perdera a vida. Roger não a via desde a conversa íntima da noite anterior, em que ela abrira o coração, e ele descobrira o que era a inquietude que se desenvolvia em seu interior ao presenciá-la; portanto, uma crescente ansiedade o preenchia, alimentada pela antecipação em vê-la.

            Na praia, todavia, continuou sem sorte. Não obteve resposta alguma ao chamá-la meia centena de vezes. Sendo assim, decidiu começar a cortar os troncos e encontrá-la ao fim do dia. Não tinha certeza do que diria ainda, de qualquer maneira. Temia que, ao encará-la pela primeira vez depois de entender o que se passava consigo, ela o rejeitasse.

            O sol brilhou intensamente durante o dia inteiro, encharcando sua roupa nova de suor da labuta. Apesar do cansaço, foi com satisfação que retornou ao fim do dia à praia dos babuínos, pelejando para carregar as pesadas toras de madeira.

            A primeira coisa que percebeu ao retornar ao local da construção do barco foi que ela permanecia ausente. Aquele era um acontecimento completamente inédito, e o desconhecido deixou-o inseguro.

— Calypso! — gritou o mais alto que pôde, sentindo que perdia, ligeiramente, o controle.

            Você será alguém que eu também lembrarei para sempre. Foi a última coisa que ela lhe disse. O que aquilo significava exatamente? Soava bastante com uma despedida. Olhou para a embarcação que estavam construindo. Os preparos estavam suficientemente avançados para que ele terminasse sozinho. Estaria ela repetindo a tática de Ulisses? Afastando-o porque, de alguma forma, havia descoberto o que ele sentia? Sua respiração se acelerou.

— CALYPSO! — gritou com mais força.

            Cinco minutos de pavor incerto se passaram até que então a silhueta da graciosa mulher despontasse do canto oposto da praia. Roger tentou não parecer muito aliviado ao vê-la, uma tentativa que se provou arruinada assim que começou a correr em seu encalço. Pensou duas vezes antes de abraçá-la, decidindo apenas encostar carinhosamente em seu ombro.

CalypsoOnde histórias criam vida. Descubra agora