Charles abriu os olhos com dificuldade, a luz do dia entrava pela janela e clareava todo seu quarto impedindo que ele pudesse continuar a dormir. Procurou ainda de olhos fechados seu celular ao lado da cama, quando o achou apertou o pequeno botão na lateral, já passava das duas da tarde, não que isso importasse já que não tinha emprego e nem ninguém que se importasse com ele. Havia sumido por três dias e ninguém realmente se importara nem em prestar queixa na delegacia, era como se ele não existisse, fosse apenas mais uma sombra naquelas ruas vazias de Londres, sombras que um dia foram almas cheias de vontades e sonhos.
Antes mesmo de levantar já decidiu que precisava de um cigarro, por isso resolveu checar seu casaco, já era de habito carregar uma carteira de cigarros pra qualquer lugar que fosse, um vicio que ele não tinha nenhum orgulho, mas a fumaça geralmente preenchia uma parte vazia dentro dele.
— Meu deus Charles – disse Justine da porta. – Hoje quem vai limpar a casa é você! Já tive que limpar no seu dia enquanto você estava por ai farreando, isso é muito injusto. Nem me convida.
— Vem cá, será que dá pra você calar a boca? – disse Charles irritado. – Eu nem sei o que aconteceu, acho que tô doente. Sério — Justine abriu o resto da porta devagar e encarou Charles que estava sentado na cama.
— Doente? – perguntou ela.
— Não sei, eu não lembro de nada. Nada mesmo desse tempo que eu fiquei fora.
— É tipo aqueles apagões? – Perguntou Justine.
— Exatamente.
— Eu vi um programa sobre isso uma vez – Falou Chuck enquanto aparecia atrás dela. – São os alienígenas. Com certeza foram eles, te levaram para alguma nave e fizeram experiências em você.
— Cala a boca Chuck – falou Justine.
— Será? – Perguntou Charles.
— Não seja bobo, mas você pode ter sido vitima de algum tipo de golpe – falou Justine.
— A troco de que? Não roubaram nada – respondeu Charles.
— Vai ver alguém te deu uma tijolada na cabeça só por dar – disse Chuck. – Com certeza tem alguém por ai que só consegue se divertir jogando tijolos nas cabeças das pessoas. Aliás, deve existir uma gangue por ai que se reúne toda noite para atirar tijolos e comer pizza gelada – ele fez uma pausa. – Que fome.
— Essa é até provável – disse Justine. – Mas o fato é que você precisa ir ao médico.
— Tem razão. Preciso ir ao hospital, algo está muito errado.
— Mas relaxa – disse Justine. – Para de fumar maconha que tu para de esquecer as coisas.
— Cala a boca. – Disse ele por fim.
Só nesse momento pegou o maço de cigarros e constatou que ele estava vazio, se lembrava de sair com ele cheia no dia do apagão, não costumava fumar mais que três cigarros por dia, alguma coisa deveria tê-lo deixado nervoso a ponto de faze-lo fumar vinte cigarros.
— Droga – falou para si mesmo.
Se levantou e abriu as gavetas em busca de alguma camisa, pegou a primeira que achou, uma camisa preta de baseball do liverpool trojans que ele talvez nunca tivesse usado. Acima de sua cômoda havia um espelho com uma rachadura no meio, ele se olhou e concluiu que até que não estava tão ruim, sua barba estava gigante suas olheiras faziam o parecer que havia recém saído de uma briga de bar. Charles era do tipo que tinha aparência de malvado mas era mais mole que um pudim, ele sorriu para si mesmo e vestiu suas calças, estava decidido a fazer alguma coisa.
— Hey Char, vai sair? – Perguntou Chuck encostado na porta.
— Pretendo – Charles arrumava a gola da camiseta.
— Trás um picolé pra mim? Te pago depois cara.
— Cara, onde você trabalha? – perguntou Charles. — Sério, só te vejo vendo televisão e tu sempre tem dinheiro.
— É segredo, trás pra mim vai. Pago um pra você também.
— Tá certo – disse colocando sua jaqueta de couro e olhando pela janela, fazia frio e parecia que ia chover. – Claro que te trago picolé.
Chuck já havia desaparecido e o estomago de Charles roncava como uma harley. Ele descia as escadas enquanto decidia se comeria algo antes ou iria direto para o hospital e achou melhor decidir no caminho, no andar de baixo nenhum sinal de Justine, Charles saiu pela porta e encarou o mundo lá fora.
Ele tinha a constante mania de ficar se lamentando da vida, não era um homem com uma autoestima boa e as pessoas geralmente não gostavam de ficar perto dele. Alguns achavam que ele tinha cara de mau, outros de drogado, a verdade é que Charles Van Galloway era apenas um homem solitário.
— Ei, barbudo – Falou um homem na rua – Você.
— Falou comigo? – Disse Charles com um olhar sério para o homem magro.
— Tome – ele entregou um panfleto. – É o show da minha banda, é de graça cara, só quero que pessoas ouçam meu trabalho, se puder ir, acho que você ia gostar.
— Por que acha isso?
— Não sei, só senti algo em você, se tiver tempo aparece, o endereço e a data tá tudo no folheto – disse o homem magro sorrindo.
— Claro, se eu puder eu apareço – Charles forçou um sorriso e continuou andando enquanto enfiava o panfleto em um dos bolsos da jaqueta.
Por mais que tivesse passando por momentos tubulosos nos últimos dias, ele só conseguia pensar em Melanie e se poderia convence-la da verdade. De certa forma ela era a única coisa que mantinha os seus pés no chão, era a única pessoa que com quem ele podia conversar e ser ele mesmo. Ninguém mais se importava com ele. Charles pegou o celular, marcavam 3:32pm e nenhuma nova mensagem, pensou que talvez devesse ligar pra ela, mas desistiu da ideia e voltou a colocar o telefone no bolso.
Sentou no ponto de ônibus e esfregou as mãos na tentativa de trazer algum calor para seu corpo, não haviam mais pessoas ali e ele se perguntou se deveria mesmo ir ao hospital. Uma curiosidade sobre ele, é que sempre odiou hospitais, médicos e todo mundo que se vestisse de branco. A verdade é que ele tinha medo, medo de fazer algum exame de rotina e descobrir que ele teria alguma super doença viral espectral que o mataria em dez horas. Charles nunca conseguiria viver como uma bomba relógio, embora exista, sim, uma bomba relógio dentro de cada um de nós, e sabemos que um dia ela vai explodir, mas ninguém nunca está pronto para a explosão. Se você sabe quando isso vai acontecer, isso pode te tornar louco. Ele sacudiu a cabeça de um lado pro outro na tentativa inútil de livrar este pensamento da sua cabeça, avistou o seu ônibus vindo e se levantou rapidamente, fazendo sinal.
O ônibus parou e o motorista o encarou com uma cara de tédio. Subiu as pequenas escadas para encontrar o ônibus praticamente vazio, haviam duas pessoas sentadas bem na frente e como de costume, seguiu para sentar-se no último banco. Puxou o celular do bolso novamente, continuava sem nenhuma nova mensagem, ele procuraria por alguma música do Led Zeppelin para escutar se não tivesse esquecido os fones de ouvido.
Foi exatamente nesse momento que uma garota entrou no ônibus, alguém que mudaria sua vida para sempre, o começo de uma nova era. Ela era magra e tinha os cabelos loiros, usava um óculos de sol em forma de coração, uma camisa preta que deixava seu umbigo à mostra e uma pequena jaqueta de couro aberta. Estava com fones de ouvido e cantarolava uma música entre os lábios, havia uma infinidade de bancos vazios naquele ônibus, mas Jennifer Saint sentou exatamente ao lado de Charles.
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As Pontes Invisíveis
Ciencia Ficción"Se as pessoas soubessem tudo sobre você, será que você ainda teria amigos?" Esse é o drama vivido por Charles Van Galloway. O jovem que vive em Londres ficou três dias desaparecido e não se lembra de nada que aconteceu nesse período. Vivendo uma vi...