capítulo 5.| Malina
Meus pés flutuam em cima da prancha, e como sempre, tenho a sensação de estar voando. A cada vez que pego uma onda, é como se eu tivesse literalmente criado asas e voasse. Passo por cima da onda em zigue zague , deixando com que ela me engula junto a si própria, quando se junta ao resto da água.
Volto a superfície, o ar frio entrando em meus pulmões. Então, tudo acontece em câmera lenta. O vento soprando meu rosto, a água gelada aquecendo minha pele. O sal grudado ao meu corpo, me fazendo coçar. Meus amigos ao fundo gargalhando enquanto surfam. O meu sorriso crescendo a cada momento. Queria poder filmar esse momento, e que todos pudessem sentir o que eu sinto quando vissem a gravação.
Não me sinto assim sempre. Na verdade, quase sempre me sinto pressionada demais para deixar que a felicidade e tranquilidade encontrem um espacinho para aparecer.
Faço o que posso para minha mente gravar a imagem à minha frente para poder convertê-la em uma pintura mais tarde. Violeta e Lucca dando aulas no surf. Rafael caindo no meio de uma onda, explodindo em risadas. Amanda sentada em sua prancha, rindo de Rafael. Trindade em alto mar, observando sua namorada com os olhinhos brilhando. Diego escorregando da prancha. Gargalho alto com a cena.
Viro a cabeça e olho para a areia, captando toda a cena. Há um menino de olhos azuis e cabelo mel sentado na beira do mar, os dedos desenhando algo na areia. Também tenho vontade de pintá-lo quando seus olhos encontram os meus. Ele está com a camisa em uma das mãos, e a barra de suas calças estão dobradas. Ignoro a frustação que sinto por não conhecê-lo, geralmente eu conheço todos por aqui.
— Não está surfando por quê? - escuto a voz do meu irmão chegando por trás de mim.
— Eu tô só... aproveitando o momento - respondo.
Antes que eu possa ver, já estou em alto mar surfando novamente. Eu voo, enquanto meus pés pisam em nuvens.
— Quem foi a pessoa infeliz que achou que fazer uma trilha seria uma boa ideia? - Júlia diz, com sua voz irritante. — Isso é coisa de turista e...— Foi minha ideia - diz Lucca, me fazendo segurar a risada.
— Um turista em minha cidade! Eu já tinha me esquecido. Se quiser posso fazer um tour com você por aqui. - ela fala. Meu Deus, como a odeio.
— Eu adoraria - fala Lucca, olhando para mim. Percebo que ele só fez isso para me irritar.
— Isso é uma tradição - falo entredentes. — Fique a vontade para dar meia volta e voltar.
Não tenho como ficar lamentando muito, pois a trilha também me incomoda um pouco. Gosto do contato com a natureza, gosto até da sensação dos galhos e da grama me pinicando, mas odeio os pernilongos. E também odeio suar, ainda mais com uma mochila pesada nas costas. Mas também não é tão ruim. Além de me inspirar, estou com pessoas que amo. Isso que importa.
Chegando na cachoeira, Violeta tropeça e solta um palavrão, sem querer. Sei que foi sem querer pela cara que ela faz depois. Queremos passar uma imagem, e ela não inclui palavrões. Violeta sabe disso, assim como Amanda.
A toalha xadrez é estendida, e todos sentamos ao seu redor, retirando os alimentos da mochila e preparando nosso piquenique.
A água clama por nós, e só então enxergo a paisagem. Há verde por todas as partes, e estamos bem ao alto de uma cachoeira. Lá embaixo, a água está calma. Estamos sentados em uma pedra, acima da cachoeira, e a visão que temos é perfeita. Árvores se inclinam ao nosso redor, produzindo sombra. Uma, bem mais ao alto, atravessa de um lado ao outro, como uma ponte. Tiro uma foto da vista.
Tiro minha saia e a guardo na mochila, ficando apenas de biquíni. Todos já fizeram isso, uma mensagem silenciosa do que viria por aí.
— Aposto que você nunca fez isso na Itália, Lucca. - Violeta alfineta meu primo, comendo um pedaço de morango.
O sol reflete em sua pele escura, a fazendo brilhar. Edward Cullen e Violeta Albuquerque, bffs. Ela tem anéis de prata em todos os seus dez dedos, combinam com o seu maiô branco. Seus cabelos estão presos em uma trança mal feita, digo isso pois a vi fazendo, mas poderia passar por um penteado valendo milhões. Violeta é esculpida, uma verdadeira escultura. Tiro uma foto dela sem que ela perceba.
Perco o diálogo dos dois, mas escuto quando Rafael abre uma garrafa de champanhe.
— Qual é, cara, são cinco da tarde - Diego diz, mas aceita uma taça.
— Tem algo mais chique que isso - aponta para sua taça — Junto com isso? - se refere ao nascer do sol. — Diz aí, rainha do surf.
— Sim, tenho que concordar - digo, dando um gole em minha bebida. — É chique.
Todos rimos juntos, e Amanda grita para aparecermos em sua selfie. Os braços de Diego me rodeiam, e sorrimos para foto. Sorrisos sinceros, em meio a pessoas superficiais.
— Apenas uma taça para todos! - grita Mandy. — Por favor, ainda vamos nadar e eu não vou dar uma de salva-vidas de novo! Escutou, Violeta?
— Alguém liga uma música pra abafar o som dessa voz de mãe? - Violeta responde.
—Eu tô falando sério, sua idiota! Vou te deixar morrer caso... - sua voz é silenciada com um beijo de Trindade. Ele está rindo.
— Deixem que se divirtam, eu cuido deles para ti.
Acho que ele esperava carinho, mas recebeu um tapa em resposta.
— Acho que nossos rolês precisam parar de sempre terminar em hospitais - diz ela, mas sei que está brincando.
— Tome, boneca - Rafael oferece uma taça. — Para relaxar.
Ela agradece rindo, mas recusa. Amanda não bebe.
Nos juntamos novamente em uma roda, quando fazemos um brinde.
— Ao início do verão! - grito.
— Ao início do verão!
Bebemos um gole e corremos para pular na cachoeira, uma tradição que temos. Piquenique, cachoeira, pôr do sol... O champanhe foi algo novo, na verdade.
A água me envolve rapidamente, fazendo-me esquecer da queda que acabei de ter. Pelo resto do dia, tudo que ouço são risadas, piadas e o majestoso barulho da cachoeira.