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capítulo 7.

| Malina

— Tá bem, mãe, vou direto para casa quando as meninas acordarem. - escuto minha mãe falar sobre o quão sem consideração eu fui em deixar minha prima em casa e ficar fora a noite toda. — Sim, estamos na Violeta. Tá, mãe, já entendi. Estarei aí antes do café da tarde.

Desligo o telefone e corro até o banheiro da casa de Violeta. Seus pais estão sempre viajando, então temos a mansão para nós quando queremos. Aqui é gigante. Tem quatro suítes, todas enormes e com lustres que valem mais do que a minha vida. A casa tem dois andares, e é quase transparente, já que é toda de vidro.

O quarto de Violeta é todo violeta. As paredes, os móveis, os lençóis... absolutamente tudo é do mais lindo tom de roxo. Ela não se incomoda, muito menos eu.

Saio da grande cama fazendo o possível para não acordar ela e Amanda. Ontem depois da cachoeira, saímos para comer, e quando vimos, estávamos dando uma festa na casa de Violeta. Estava muito tarde para eu ir embora, então acabei ficando aqui.

Prendo o cabelo em uma trança, coloco um boné preto de Violeta e vou preparar o café, após trocar de roupa.

Minutos depois, Amanda desce as escadas com o cabelo todo para o ar.

— Senti cheiro de comida - diz, me fazendo rir. Finalmente meus dotes culinários sendo reconhecidos.

~~~||~~~

Há algo dentro de mim que não me permite ficar feliz. Sinto-me em uma caixa, onde há só uma fresta em que o ar entra pra que eu consiga respirar, mas mesmo assim, prendo o ar para que o pouco que tem não acabe. O mar me traz oxigênio. Faz com que eu respire. As vezes, me faz até pensar que posso ser eu mesma.

Não paro de olhar para as ondas até chegar na rua de casa. Levo um enorme choque quando vejo a casa ao lado da minha, há tempos abandonada, reformada e toda acesa. A casa de Caio. Minha mente para de pensar por um minuto. Consigo ver as duas crianças que éramos correndo por aquele jardim, tacando terra um no outro, carregando pranchas para cima e para baixo, desenhando no chão... Aperto a concha no meu pescoço.

Entro em casa silenciosamente, e vou rumo a oficina. O meu lugar preferido. Fiz do porão meu quarto de pintura. Pranchas pintadas estão penduradas nas paredes azul turquesa, e várias telas, pintadas e não pintadas, preenchem o ambiente. Passo por elas e vou até a única parede branca do quarto. Ou teoricamente branca. Cada vez que penso em Caio, desde os meus doze anos, que foi quando montei a oficina, pinto nessa parede. Pego um pincel qualquer e minha paleta, e não perco tempo quando subo na escada. Pinto uma linha vermelha do alto até embaixo.

Faz tempo que não pinto nessa parede. Tempo que não penso em Caio. Ele não foi tão importante igual meus pais, e meu coração, fazem parecer. Eu era criança, e perdemos contato no momento em que ele entrou no carro. Ele nem deve se lembrar de mim.

Mais uma pincelada, dessa vez, azul.

Éramos crianças, sim, mas ele deveria lembrar de mim. Pelo menos nos primeiros anos.

Amarelo.

Minha vida era melhor quando Caio estava aqui. Quando ele foi, tudo desandou.

Verde.

Ele me fazia acreditar que eu não era tão ruim quanto eu realmente era.

Preto.

Entro em casa correndo, ciente de estar toda pintada e descabelada.

— Opa, opa - Lucca me grita da cozinha, quando começo a subir as escadas — Acha que vai ficar a noite toda fora, voltar a não me dar nem um "oi"?

Reviro os olhos, mas vou até meu primo e o cumprimento com um beijo na bochecha.

— Sua mãe está uma fera, se eu fosse você, não chegaria tão afobada lá em cima.

Sua fala me faz rir. Lucca só usa seu português quando vem ao Brasil. Uma vez por ano. Ele não usa telefone e nem internet, então o único contato com sua segunda língua durante o ano são com os avós por ligação. Seu jeito de falar me diverte.

Sigo seu conselho. Bebo uma água, lavo o rosto e as manchas de tinta em meus braços. Prendo o cabelo e subo as escadas.

Minha mãe nunca está tão brava quanto finge estar. Ao me ver, nem lembra que está zangada.
Sigo em direção ao meu quarto, me esparramo na cama e encaro o teto. Fecho os olhos, sentindo meus músculos relaxarem. O sol de fim de tarde entra pelas frestas da janela, e levanto para fechar a cortina.

É quando vejo a janela aberta. A janela em frente à minha, empoeirada há anos, está aberta e limpa. Arrepios percorrem a minha pele. Finalmente alguém pra ocupar a casa.
Tenho muitas memórias boas na casa ao lado. Mas só isso que restaram. Memórias.

através das ondasOnde histórias criam vida. Descubra agora