| Malina
Estendemos uma grande toalha na mesa em que faremos a ceia de natal. Em vez de fazermos a ceia do lado de dentro da casa, dessa vez preferimos fazer no quintal, devido à alta temperatura.
— Obrigada, Lili - diz minha avó, chamando-me pelo meu apelido de infância. — Pode subir para se arrumar agora.
Escuto-a e entro em casa, caminhando até meu quarto. Depois de muitos dias de sol, eu quase ardo. Então a primeira coisa que faço após o banho é passar um gel pós sol. Digamos que eu exagero na dose de vitamina D sem usar um filtro solar adequadamente. Depois disso, coloco um vestido vermelho que ganhei da mãe de Lucca. Ele tem alcinhas e vai até o meu pé.
Junto-me a Mattia no grande espelho que há em meu quarto. Ficamos em silêncio, uma música italiana ao fundo. Timidamente, minha prima pede ajuda com o delineado. Eu contorno seus olhos com o lápis preto, e ela evita olhar para mim. Tampouco eu me esforço para qualquer outro tipo de interação.
Quando saímos do quarto, já prontas, encontramos muitos e muitos primos e tios em minha sala de estar. Vários presentes foram depositados embaixo da árvore decorada de natal, há embrulhos minúsculos e outros que poderiam ser bicicletas.
Meu coração se aquece. Eu amo o Natal, amo fim de ano. Há quem não goste... há quem ache essa época do ano cansativa ou até corrida demais. E não é como se realmente não fosse assim, é só que eu faço parte da pequena minoria que é privilegiada por não ter nenhuma preocupação além de curtir o verão.
Ando com duas crianças agarradas em minhas pernas para buscar os presentes que guardei na oficina. Coloco-as para carregarem sacolas minhas e pego uma tela gigantesca. Eu a embrulhei com um papel de presente dourado, escondendo o quadro que demorei três meses para pintar. Então eu e os pequenos voltamos e deixamos todos os pacotes junto aos outros.
— Malina - chama minha prima de 5 anos — Quando eu crescer, vou ter o cabelo bonito igual ao seu? - ela pergunta, passando as mãos pelos longos cachos dourados.
Meu cabelo é ondulado, minha raiz é lisa e há ondas como as do mar em suas pontas. Laura é uma menina pequena de longos cabelos cacheados e volumosos.
— Vai ser ainda mais bonito, Laurinha.
Arrumei a mesa das crianças e até disponibilizei algumas das minhas tintas para que elas pudessem pintar. Até que minha mãe desce as escadas, em um vestido longo e dourado, com fios de ouro em sua longa trança.
— Queridos, espero que não se importem - ela começa, chamando a atenção para si. — Mas teremos convidados especiais em nossa ceia hoje.
| Caio.
Encaro meu reflexo no espelho por um tempo. Revejo cada detalhe da minha roupa milimetricamente. O meu perfume inunda o quarto inteiro, e eu repasso na minha mente todo o meu diálogo ensaiado.
Acontece que este parou no "oi". A minha mente, sempre tão criativa, não conseguiu passar dessas duas letrinhas. Então instantaneamente eu volto a olhar pela janela. E é no exato momento em que Malina encontra o meus olhos espionando o seu quintal. Suas sobrancelhas se franzem, e eu em completo desespero abro um sorriso.
Eu abro a porra de um sorriso.
Ela me encara fixamente, e eu sou incapaz de identificar o que há em seu olhar, daí fecho as cortinas rapidamente. Estúpido.
Passo as mãos pelo rosto enquanto desço as escadas, suplicando à Deus para apagar os últimos cinco minutos da minha vida. Eu queria enrolar, sei lá, deitar no chão e rolar nas escadas para ver se pelo menos meus pais deixem que eu vá ao hospital em vez de passar a ceia na casa dela. Eu dei milhares de desculpas.
"O Natal é algo de família, nós não somos a família deles." "Não comprei presente" "Vou adotar um gato e amanhã ele vai estar passando mal" ps: eu realmente adotei um gato.
Olhe, não me leve a mal. Eu entendo o quanto é esquisito que eu esteja desesperado simplesmente por uma ceia de Natal. Mas acontece que eu tenho algum tipo de problema que simplesmente não permite que eu viva um momento sem criar milhões de cenas constrangedoras. Eu tinha 12 anos quando pensei que realmente havia algo de errado comigo. Era aniversário de uma menina que havia acabado de chegar na minha escola. Eu fui o primeiro a chegar da minha escola, e quando percebi isso, que eu estava rodeado de pessoas desconhecidas, minha respiração pesou.
Eu tentei tratar isso em mim sozinho da melhor maneira que eu pude. Imitei jeitos de amigos e até personagens, fiz o que pude para que parecesse ao menos natural. Mas em situações como essa é impossível se mudar, por mais que eu já não tenha tantas crises com frequências.
Meus pais sorriem ao me ver da escada. Eles estão de braços dados, e falam para que eu fique encarregado pelos presentes. Um jogo americano para o casal, uma bola de futebol para Igor e um kit de pincéis para Malina. É claro que eles entraram em contato com os pais deles para saber o que seria adequado para dar de presente.
O portão baixo de madeira está aberto quando chegamos lá, e somos recepcionados com muito afeto e gentileza. Encontro Lucca e Igor quando os dois vêm em minha direção. Ambos estão com bonés vermelhos, e roupas pretas.
— Caralho irmão, pensei que você fosse lenda - fala Igor, quando estendo minha mão e ele me puxa para um abraço.
— Eu só nunca achei que fosse folclore porque a gente não tem esse tipo de estudo na Itália - Lucca completa, me cumprimentando também.
Sorrisos são trocados e eu desconverso, entregando o presente de Igor para ele.
— Olha! Ele volta do além mas pelo menos com presentes - rimos juntos, e ele aponta para a grande árvore de natal — Mas deixa isso lá, troca de presente só depois de meia noite.
Eu ando até a casa, mas sou parado de segundo em segundo por um parente deles que me puxa para um abraço. Até a mãe de Malina me para, me envolvendo em um abraço e olhando fixamente em meus olhos.
— Você não faz ideia do quanto fez falta, principalmente á ela.