3. Hatred

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Ódio.

Há alguns que acredite que tal sentimento corrói a alma; destruindo-a de dentro para fora. O Ódio constante e repulsivo, talvez reluzente se levar em conta os inúmeros picos de emoções que ele pode proporcionar. Talvez eu estivesse louca, ou ele me modificou. De modo que eu não pudesse controlar o curso de minhas próprias decisões. Me fortificou.

Ainda que angustiante, foi renovador. Reivindicando meu ser e me trazendo a certeza que já deveria ter levado comigo: posso vencê-lo. Posso ser letal; posso destruir como fui destruída.

O som da porta se abrindo foi o que me arrancou de meus pensamentos, e concentrei meu olhar em Claire, que agora movia seu corpo cansado para dentro. O cheiro de álcool alcançou minhas narinas antes mesmo de repará-la. Um casaco maior a cobria quase por inteiro, mas ainda era possível visualizar as peças brilhantes que utilizou para dançar e exibir-se.

Ela jogou-se no sofá distante, nem mesmo notando minha presença na poltrona oposta. A observei respirar, e formar um sorriso nos lábios manchados.

— Ah, oi, pirralha — um movimento preguiçoso de sua cabeça a fez olhar em minha direção. Fecho o livro que permanecia em meu colo, que nem sequer li. — Não deveria estar dormindo?

— Estava cuidando de nosso pai e acabei perdendo o sono — sibilei em resposta, de modo suave. Novamente, minha irmã voltou a sorrir, apoiando o cotovelo no estofado e usando a mão para sustentar o rosto. Uma grossa mecha desgrenhada acaba cobrindo sua bochecha.

— E... aconteceu algo durante minha ausência?

— Papai passou mal e eu saí para procurar você. Mas já está tudo bem, consegui amenizar a febre e fazê-lo comer algo, não precisa se preocupar.

— Sei que não preciso me preocupar, você cuida bem dele — e ao se erguer do sofá e remover o grosso casaco de seu corpo, as constelações luminosas da fantasia reluziu mesmo na pouca luz. O cheiro de álcool ficou mais forte conforme Claire passou por mim, indo em direção a cozinha.

— Eu cuidaria melhor se tivesse ajuda — falei ao me levantar, alto o suficiente para que ela escutasse. Ao invés de me responder de imediato, Wright apenas abriu a geladeira, escolhendo uma garrafa de leite para virar na boca, tombando a cabeça para trás. — Claire, nosso pai...

— Nosso pai?! — ela me corta, exclamando e também questionando. A embalagem em sua mão volta a seu lugar de origem, e os olhos lustrosos retornam a me encarar. — Você acha mesmo que esse homem é meu pai? Ele me renegou e abandonou minha mãe. E talvez... ele tenha razão. Talvez eu seja filha de uma prostituição, e não de um amor impossível — ela sorriu então, e percebi que ela enxergava humor na possibilidade.
No primeiro momento, senti pena dela. Dor inundou minha expressão, salpicada de vergonha. Não por ela, mas pelo o que meu pai fez. Por tudo o que me escondeu para a minha proteção, e por toda a renegação sofrida por Claire. No outro, quando ela prosseguiu a gritar, proferindo inverdades e gesticulando, sequer pensei quando minha mão se ergueu e se chocou contra seu rosto, causando um impacto capaz de virá-lo.

— Você é minha irmã! — gritei, sem me importar com mais nada além da repulsa contida, que aos poucos era liberada em forma de caos. Pisquei para o que fiz, me dando conta apenas depois que parti para a agressão física, e então gemi quando meu corpo se chocou contra a parede em resposta; os olhos de Claire como chamas flamejantes fitando os meus.
— Se colocar novamente sua mão na minha cara, arranco seus belos olhos azuis. Entendeu bem, pirralha? — meu corpo foi prensado contra a parte gélida, e não pude evitar tremer. Esperei pelo tapa, pelo soco, ou por qualquer outra coisa que pudesse me ferir. Mas nada veio.

Até que minha irmã decidiu afastar-se de mim, e sem o calor de seu hálito contra meu rosto, pude finalmente respirar. Ela pareceu distante, mesmo quando virou as costas e saiu, sem dizer uma única palavra. Sem trocar suas vestes ou demonstrar qualquer emoção. E fazia um tempo que era dessa forma.

E apesar de seus inúmeros erros, eu a compreendia. E a invejava.
Invejava sua força mesmo na fraqueza, sua postura intimidadora e todos as outras características que a tornavam uma Wright. Ser insana era um dom, e Claire sabia utilizar sua insanidade como aliada.
Mesmo nos dias em que não tinha sua presença em casa; quando me deixava sozinha com um doente em recuperação, eu não a culpava. Não mais.

Arrumar o armário de minha irmã — e meu — estava entre uma de minhas tarefas habituais. Mas quando a própria deixou algo em sua gaveta, esperei que saísse para que pudesse verificar o que escondia.
E ao abri-la, pude me deparar com diversas cartas. Meio úmidas e manchadas, amassadas aqui e ali. Meu estômago revirou quando notei um grande maço de dinheiro, envoltas por um elástico. Mordi o lábio inferior e me pus a ler uma das cartas, esforçando-me para entender a caligrafia.

" Querida Claire,
Sei que tem estado distante de mim. Que desde o nosso último encontro, um tanto desastroso, você não deseja mais me ver ou falar comigo, não importa quantos homens eu mande atrás de você informando meus recados. Por favor, não desejo desavenças com você. Me perdoe falhar, mas humanos também erram.
                      — com amor, Tzar. "

E então, peguei outra carta.

"Claire, preciso que volte a se comunicar comigo. Urgentemente. Aceite o dinheiro que estou lhe enviando como um modo de me desculpar. Por favor.
                         — com amor, Tzar."

E então a seguinte...

"Responda as minhas chamadas, sua vadiazinha. Estou perdendo minha paciência, preciso que me responda imediatamente.
                — com ódio profundo, Tzar".

E as quantias de dinheiro... gradualmente aumentando junto de cada carta. Por um minuto, senti raiva de Claire por ter guardado tal quantia e não ter usado nenhuma moeda. Mas depois, compreendi. Ele estava tentando comprá-la para depois usar isso a seu favor. Wright sabia disso, e isso a tornava inteligente. Ou quase.

Verifico as cartas mais atentamente, descobrindo em pequenas letras quase desaparecendo o nome do local de supostamente ele aguardava por Claire.

Eu precisava ser como ela, precisava me fortalecer e aprender métodos que jamais pratiquei. Tzar foi responsável por fortalecer Claire. E ele poderia fazer o mesmo comigo, pelo menos para aplacar o odio que crescia em minhas veias, acompanhando as batidas do meu coração. Não pensei duas vezes antes de pegar um punhado do dinheiro e me despedir de meu pai.

Why Should I Care About You? - 𝙎𝙚𝙖𝙨𝙤𝙣 2.Onde histórias criam vida. Descubra agora