MÁGICA DOS BICHOS

89 3 0
                                    

A mágica dos bichos é uma de que o demônio e Cipriano se utilizaram para convencer a filha única do marquês de Sória, o mais estimado pelo
rei da Pérsia.
Vendo-a um dia passear com seus pais, Cipriano julgou que no mundo não havia uma jovem que se assemelhasse a Elvira, em beleza.
Pôs logo em prática sua arte mágica, dando a entender ao marquês que desejava sua filha Elvira.
Encarando bem a pessoa de Cipriano, o marquês viu que este era um homem vulgar e lhe disse: — Tu, homem, dizes, que pretendes de minha filha? E Cipriano: — Eu pretendo amar Elvira, mas não casar com ela.
Ouvindo estas palavras, o marquês ficou irado, porém tudo foi inútil porque Cipriano se apressou em dizer as seguintes palavras: — Eu quero já, por artes diabólicas e mágicas, A.M.N.O.P:, que o marquês e a marquesa virem pedra mármore!
Cipriano voltou-se para Elvira e lhe disse:
Vês, menina, o que fiz a teus pais? Outro tanto te farei, se não cederes ao meu desejo.
Assustada com o que acabara de ouvir, Elvira respondeu:
— Que queres, homem?...
— Eu quero que me sigas e deixes de adorar o falso Deus que adoras e ames só minhas leis e mandados.
Ouvindo estas palavras, Elvira prostrou-se por terra e fez a Jesus Cristo esta oração:
"Senhor se é de vossa vontade que eu siga este homem, dizei-mo lá das alturas, que estarei pronta para seguir a vossa determinação."
Ouvindo a súplica de Elvira, Cipriano indignou-se contra ela e encantou-a com as mesmas palavras com que tinha encantado seus pais.
Cipriano ficou satisfeito com sua vingança, porém, antes não ficasse, pois esteve em risco de perder a vida.
Como o rei era muito amigo do marquês de Sória, logo deu pela sua falta na corte. Admirou-se de não vê-lo e disse consigo mesmo:
"Que será feito do marquês? Que será feito de sua filha Elvira e de toda a sua família?"
Por mais que mandasse procurá-lo em todo o reino, todas as buscas foram inúteis.
Daí a um mês, apareceu no palácio uma mulher, malvestida, dizendo, que queria falar com sua majestade.
Foram dar parte ao rei que ali estava uma pobre mulher, que pretendia falar-lhe. O rei respondeu ao pajem: — Diga a essa mulher que entre.
A mulher entrou e não se prostrou por terra, como era de costume.
O rei, vendo que a mulher era tão altiva, falou: — Porventura, mulher, tu não mereces ser já degolada, neste lugar, por faltares o devido respeito ao rei? — Que é que dizes, rei bárbaro? — exclamou a mulher. Derramar o sangue de uma mulher, quando ela vem te trazer boa notícia e aliviar o
sofrimento que trazes tão entranhado em teu peito?
Então o rei lembrou-se de que talvez aquela mulher viesse trazer-lhe notícias do marquês e da sua família e lhe disse em voz suplicante: — Mulher, desculpa-me. Bem vês que a minha amizade pelo marquês é que me faz estar zangado. Respondeu a mulher: — Hoje mesmo, verás o marquês e toda a sua família, mas com a condição de que hás de mandar matar um homem de nome Ci priano. — Cipriano, o feiticeiro?! — exclamou o rei, — Sim, esse mesmo — disse a mulher — e vou aconselhar-vos como haveis de proceder. — Sim, mulher, concordou o rei; dize como devo agir. — Chamai-o ao vosso palácio e dizei-lhe que vos apresente o marquês e sua família e que, se não o fizer, pagará com a própria vida.
Acreditando nos conselhos da mulher, o rei fez o que ela disse: mandou chamar Cipriano à sua presença; apenas chegou Cipriano o rei lhe disse: — És tu o homem chamado Cipriano? — Sim, majestade. O que quereis, real senhor? — Quero que me apresentes aqui o marquês de Sória e sua família, sob pena de mandar cortar-te a cabeça.
Retrucou Cipriano: — Com quem cuidas estar falando? — Falo com um feiticeiro — retrucou o rei — que tem pacto com Lúcifer, o príncipe dos infernos.
Ouvindo que o rei se manifestava desse modo, Cipriano invocou os espíritos malignos e ordenou que todo o palácio, assim como o rei com toda
a sua família ficassem encantados.
Então o rei lançou-se aos pés de Cipriano: — Perdão, perdão, grande e poderoso Cipriano! Desencantai-me e à minha família, pois não sou culpado disto. Perguntou Cipriano, muito
zangado: — Pois quem é o culpado? — O culpado. .. — respondeu o rei — a culpada é uma mulher que está escondida no meu palácio. E Cipriano: — Essa mulher que venha sem demora à minha presença. O rei mandou que a mulher viesse imediatamente. Vendo-a, exclamou Cipriano: — Então, tu, mulher, com que prazer querias que o rei derramasse o sangue de um homem prudente e sem crimes! — Sem crimes? — retrucou a mulher. —Qual será o homem que tenha mais crimes do que tu? Tu encantaste uma família que é estimada do rei
meu senhor, e ainda dizes que não tens crimes?! Ah! Infame! És digno de mil mortes, se possível fosse. Aqui está quem tem poder sobre todos os teus
poderes e todas as tuas astúcias.
Ouvindo o que acabava de proferir a desconhecida, Cipriano estremeceu e falou: — Que poder tens contra as minhas astúcias? — Tenho poder sobre tudo porque sou uma feiticeira de maior idade. Fui das primeiras que fizeram pacto com Lúcifer. Por isso tenho poder
sobre todas as feitiçarias.
Retrucou, então, Cipriano: — Como pertences à minha classe, não te quero fazer sentir as forças dos meus feitiços. Que pretendes de mim, mulher? Disse a feiticeira:
— Quero que restituas ao rei o marquês e toda a sua família e que traga todos já à presença do rei. Depois de pensar um momento, Cipriano
disse à feiticeira: — Sim, farei tudo isso, com a condição de que Elvira seja ,minha e eu a estimarei como devo. Respondeu a mulher: — Traze todos aqui e Elvira será tua.
Ingenuamente, Cipriano acreditou nas promessas daquela feiticeira. Muito contente, foi logo desencantar o marquês, a marquesa e sua filha.
Quando Cipriano se retirou, o rei e a feiticeira ficaram conversando. Disse a mulher: — Real senhor, nós temos de matar Cipriano, hoje mesmo. Mas o rei observou: — Não vês que Cipriano tem o grande poder da arte mágica? Ele pode nos encantar a todos com uma só palavra! — Não, real senhor! Eu também tenho poder bastante para impedir todos os seus encantos e artes diabólicas.
Dito isto, a feiticeira foi defumar todo o palácio, mas em vão, porque Cipriano tinha grande força diabólica. Contudo, conseguiu fazer alguma
coisa contra ele.
Pouco depois, chegaram acompanhando Cipriano, o marquês de Sória, sua esposa e sua filha Elvira, que tinham sido desencantados.
O rei ficou cheio da mais viva satisfação e alegria. Disse a Cipriano: — Retira-te já daqui, homem sem coração, que tens sobre ti o peso dos mais horrendos crimes pela tua perversidade e infâmia!
Enfurecido pelo que acabava de ouvir, Cipriano disse arrogantemente ao rei: — Então é essa a paga que me dás por eu ter desencantado as pessoas a quem estimas? Vejo que não me conheces bem. Espera que já te arranjo.
Dizendo isso, meteu a mão numa das suas algibeiras, tirou um diabinho e ordenou-lhe: — Quero já dez castelos às minhas ordens!
Foram logo cumpridas as ordens de Cipriano, que pôs fogo no palácio. Mas tudo foi inútil devido à feitiçaria da mulher, quando defumou o
palácio.
Cipriano reconheceu logo que a feiticeira tinha impedido que ele realizasse o seu intento. Vendo que nada podia conseguir, desesperou-se da
falsidade com que o rei tinha usado contra ele.
Cipriano estava pensando tristemente na traição do rei, dizendo consigo mesmo que devia deixar este mundo, quando lhe apareceu Lúcifer, que
pondo a mão no seu ombro, falou: — Não te entristeças, Cipriano amigo, que Elvira será tua. — Não pode ser, respondeu Cipriano.
Retrucou Lúcifer:
Julguei que confiavas mais em mim, meu Cipriano. Sossega, que tem remédio.
Cipriano tranquilizou-se com as palavras consoladoras de Lúcifer, que o conduziu.a um deserto e lhe disse: — Já vês, caro amigo, que o palácio foi defumado com alecrim e incenso e por isso não podemos entrar lá com as nossas artes diabólicas.
Porém não será bastante para que Elvira não seja tua, hoje mesmo...
Perguntou Cipriano, que parecia estourar de satisfação:
— Que é preciso fazer para possui-la?
Lúcifer explicou:
Agarra todos os bichos do mundo, de preferência sapos, aranhas, ratos, cobras, sardões, formigas, moscas, sardoniscas, enfim, todos os mais que
puderes e quiseres. Mete-os num grande caldeirão instalado numa trempe, despeja um quartilho e meio de azeite, e acende fogo debaixo, de maneira que
os bichos se derretam e virem óleo, com a condição única de que devem ser atirados vivos no caldeirão. Depois, traze-me o óleo num frasco tapado.
Não deves cheirar o conteúdo.
Cipriano fez como Lúcifer ordenou e logo viu que tudo estava pronto para comunicar a Lúcifer.
Lúcifer falando: — Sabes o que has de fazer agora a esse óleo? Cipriano com curiosidade: — Ouvirei o teu conselho. — Prepara uma luz com o óleo dos bichos e depois de tudo preparado, mete a tua fava na- boca e vai ao palácio sem que sejas visto por
alguém.
Antes de executar as instruções de Lúcifer, Cipriano perguntou: — Que devo fazer quando lá chegar? Lúcifer explicando: — Logo que entrares no palácio, acende a luz mágica; ficarão assustados todos quantos se acharem no palácio. Tu, Cipriano, me te uma fava na
boca da feiticeira, que ainda deve estar lá, e outra na de Elvira e diz: "Favas, acompanhai-me". Assim que tiveres elevado a grande altura a feiticeira,
deixa-a cair, porque foi ela quem te meteu nesta encrenca.
Cipriano agiu conforme Lúcifer indicou. Depois de haver precipitado a feiticeira de uma grande altura, levou Elvira para um deserto e lhe disse: — Que queres, Elvira, que eu faça?
Escusado será dizer o que fez Cipriano, porque os leitores certamente já compreenderam.
Só com o óleo dos bichos é que Cipriano pôde roubar e convencer Elvira. Preparou-lhe um palácio muito rico para que nele entrasse tão formosa
pomba como era aquela formosa mulher.
Como veem, o diabo depois de começar a enredar uma criatura não a deixa sem antes ter conseguido o que deseja. Por isso, recomenda-se a
todos que é bom diariamente fazer 3 vezes o sinal da cruz.
Voltando S. Cipriano de uma festa de Natal e não podendo atravessar os campos, devido a grande cheia no rio por onde tinha de passar, teve de
se abrigar num túnel formado pela natureza, para ali passar a noite.
Embrulhou-se no seu grosseiro manto e foi encostar-se no recesso mais seguro da furna.
Perto da meia-noite, ouviu passos e divisou uma luz. Temendo que fossem malfeitores, encolheu-se atrás da ponta de uma grossa pedra. Pouco
depois, soou naquele covão uma voz cavernosa que dizia:
"O mágico Cipriano, rei dos feiticeiros, por ti aqui venho com quatro fogachos e peço-te que ajudes a ganhar o prêmio à minha apaixonada
cliente."
Cipriano ia levantar-se para perguntar quem assim falava, mas teve de recuar a estas palavras: "EM MEU CAMINHO DE FEITICEIRO PASTOREIO AS ÂNSIAS, O AMOR-PAIXÃO, O SONHO DO POVO, O MEDO, OS FEITIÇOS E
BRUXEDOS. GARGALHADAS DE FANTASMAS ANDAM SEMPRE COMIGO, MAS EU USO COMO DEFESA ESPECIAL CRUZ-AMULETO.
CARREGANDO-A COMIGO ESTOU SEMPRE PROTEGIDO DE MALEFICIOS ESTRANHOS" - PALAVRAS DE CIPRIANO, O BRUXO. O
PODEROSO SÍMBOLO VAROU SÉCULOS E FICOU CONHECIDO COMO A GRANDE CRUZ DE SÃO CIPRIANO, ESTA QUE VAI ESTAMPADA
NA PÁGINA ANTERIOR.
"Ó Lúcifer, ó poderoso governador do pais do fogo, ergue-te das labaredas, vem até mim e entra neste covão, onde venho todas as noites e
socorre o meu oficio de consolar as esposas infelizes."
Depois disto correu pelo subterrâneo uma fumaça enjoada. Cipriano marchou na direção da voz e topou com uma velha esguedelhada e com o
cabelo raspado na nuca. — Que fazeis aqui, mulher, e quem é o Cipriano que agora invocaste? — É um feiticeiro que ha pouco se converteu à fé cristã e que possuía o dom de fazer tudo que tinha vontade, com o auxilio de Satanás. — Mas para que o chamavas agora? — Queria pedir-lhe uma recomendação para o Demônio me ajudar numa empresa da qual depende a minha fortuna no mundo e a tranquilidade
de uma senhora muito rica. — Quem é essa mulher? — perguntou Cipriano. — E a filha do conde Everardo de Saboril, casada com o grão-duque de Terrara, que a trata muito mal por causa de uma dama da corte, a quem
adora com paixão. A filha do conde prometeu-me uma rasa de ouro, se eu conseguir tirar o marido dos braços da amante
— Que liquido é esse, que sufoca e tem um cheiro tão aborrecido? — perguntou Cipriano. — É pele de cobra com flor de sangue e raiz de urze, que estou queimando em nome de Satanás, para defumar as roupas do duque a ver se o
desligo daquela mulher. Esta mágica foi sempre infalível, quando minha mãe a praticava aqui dentro. Minha mãe desfez com ela mancebias de nobres e
monarcas, mas eu já fiz seis vezes e o duque cada vez maltrata mais a mulher. — E porque não usaste o principal ingrediente, aquele que tua mãe jamais esquecia. — Dizei-me o que é, pelo Deus dos idólatras. — Tu és pagã? Professas a lei dos bárbaros? — Sim. — Neste caso, não te ensinarei o segredo. Podes estar certa de que não salvarás essa menina do martírio.
A pobre feiticeira desatou a chorar e deixou-se cair abandonada sobre uns ramos de árvores, que os pastores para ali tinham arrastado.
Cipriano levantou-a com grande caridade e, depois de lhe ter sacudido os vestidos, disse:
Tu serias capaz de me fazeres outro tanto se eu te houvesse caído redondamente aos pés? — Não! — respondeu a feiticeira — porque julgo que não és da minha lei e nós amamos os nossos e temos obrigação de praticar o mal com os
filhos de outras religiões. — É porque a tua lei é má! A tua religião é o refugo de todas as outras!
A bruxa começou num tremor convulsivo e a espumar, como tomada de hidrofobia.
Cipriano cobriu-a com o seu manto e continuou: — E a prova está aqui. Que Nosso Senhor Jesus Cristo me perdoe por eu me tomar a mim para exemplo. Eu te socorro porque a minha religião,
que é a cristã, diz que todos são filhos do mesmo Deus Onipotente e que não se devem perguntar a crença ao nosso irmão que sofre. — Abençoada é ela, essa religião, mas não posso tomá-la porque os meus entregavam-me à fome e ao abandono. Eu sou sustentada pelos sumo-
sacerdote gentil ico. — E que importa isso? Queres converter-te, se eu te assegurar meio de subsistência? — Quero! Mas como farás a minha felicidade, sendo tão pobre como se vê pelas tuas roupas? — Como! Pois não dissestes que a filha do conde Everaldo te daria uma rasa de ouro se tu lhe restituísse o amor do marido? — Disse, porém.. . — Amanhã, à hora nona vai ter comigo ao templo dos cristãos. Eu te apresentarei ao presbítero Eusébio para que te dê as águas lustrais e logo te
direi o segredo que torna essa mágica infalível¬. — Mas quem sois vós? — Eu sou Cipriano, o antigo feiticeiro, mas logo que senti no corpo a água do batismo não posso usar mais da mágica. Mas ja que é para bem e
conquista de mais uma alma para a cristandade, eu te direi o modo de como fazer essa que em vão tens preparado. — Dizei, senhor, dizei! — Espera. Só amanhã, depois que te registrares no livro dos cristãos, ai saberás. Fica em paz e lá te espero.
E o homem, apesar da escuridão da noite, saiu em direção à casa de Eusébio, para contar-lhe o sucedido.
De manhã estando na igreja com o presbítero, viu entrar a bruxa, que correu a beijar os pés do sacerdote.
Em seguida foi batizada, e no fim da cerimônia, chamou-a Cipriano de parte, deu-lhe um pergaminho quadrado, no qual estava escrita a seguinte
oração:
Faz-se três vezes o sinal da cruz.
"Ó cobra grávida, por Deus que te criou, te esfolo, pela Virgem te enterro, por seu amado Filho te queimo a pele em quatro fogareiros de barro
cozido. Com a flor de suage te caso, com raiz de urze te acendo, e com resina sabéa te ligo, e feita seis vezes a mágica branca, dos braços arranca da
pérfida amante (fulano, dizer o nome da pessoa) e com esta resina sabéa tirada hoje do templo de Cristo, te incenso. Amém."
Logo que a feiticeira acabou de rezar esta oração e escutar as instruções, meteu-se a caminho do palácio do grão-duque, a algumas léguas do
povoado. Na mesma ocasião em que o duque vestia o manto defumado pela bruxa, prostrou-se aos pés da duquesa a pedir perdão das suas leviandades.
No dia seguinte vazou um olho da amante e desprezou-a.
A filha do conde de Taga mandou dar uma rasa de ouro cunhado à bruxa e tomou-a para sua aia particular.

São Cipriano O Legítimo Capa PretaOnde histórias criam vida. Descubra agora