(Piloto) - Sobrevivência

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Piloto - Sobrevivência

Podia sentir a minha pele receber alegremente os primeiros raios de sol enquanto as ondas quebravam violentamente ao longe, e se arrastavam com pressa para morrerem aos meus pés descalços, era uma das primeiras manhãs de Abril, as praias vazias davam um ar de particularidade ao momento, como se eu estivesse finalmente de férias, o que dificilmente aconteceria, neste ano não haveriam turistas ou sequer as aglomerações, tudo permaneceria em silêncio, sem se mover, como cadáveres que se estendiam numerosos pela areia.

Me apressei a entrar no mar e encontrar a água gelada, sentindo o ardor do sal em feridas que eu tão pouco conhecia, porém a sensação não durou mais de três minutos. Os ventos arrepiavam o o corpo e balançavam meus cabelos, aquilo era suficiente para me deixar revigorada e pronta para mais uma longa caminhada em busca de abrigo, não era seguro se manter em um mesmo lugar por muito tempo.

A ideia de sair a procura de suprimentos ou de qualquer cabana já me assustava, a possibilidade de encontrar pessoas era alta e definitivamente não era seguro permanecer perto de desconhecidos, sem leis a pior face da humanidade pode ser aterrorizante, digna de uma bestialidade admirável, sobreviver era o que cada um pensava e o que cada um dos que restaram fazia, tudo o que uma vez ja foi considerado crime, agora é tido como a mais pura normalidade pelas ruas, as areia desta praia presenciaram tal crueldade a poucas horas, quando pequenos grupos disputavam locais de pesca.

Depois do sol secar cada gota sobre a minha pele comecei a caminhar, sentia a areia entre os dedos dos pés que saia a cada passo dado, até que cheguei aonde um dia fora a entrada daquela praia, limpei os pés em alguns montes de grama e retirei do mesmo monte uma bicicleta que havia escondido, era praticamente um carro de luxo para um mundo onde a gasolina já havia encontrado seu limite.

As ruas retribuíam o olhar mórbido em meu rosto, onde a esperança já não encontrava abrigo, as casas distribuídas em escombros e poucos tijolos em pé davam um ar de infantilidade para quem ainda tivesse imaginação, lembrando montanhas de peças de lego.

O caminho que a anos era asfalto, agora deixava apenas uma trilha de pedras rachadas a frente, um verdadeiro desafio para os pneus do meu veículo de última geração, para preservá-lo tive que optar por continuar a pé.

As antigas estradas que ligavam as cidades agora eram um campo de guerra, mas ninguém se mantém vivo sem arriscar algo, então logo após sair das ruas de pedra me dirigi para a estrada norte, o sol já ocupava seu lugar de direito ao Leste, visível a todos os que ainda tinham a oportunidade de vê-lo.

Subi na bicicleta e comecei a descer uma a grande estrada de terra, torcendo para que eu acordasse em algum instante e conseguisse me deitar em uma cama sem medo de morrer por uma noite. A estrada tornava as curvas os lugares perfeitos para qualquer tipo de emboscadas.

Os aromas do sangue e da terra molhada se misturavam ao longo do caminho e se aglomeravam na curva adiante, acelerei o máximo que minhas pernas permitiam ao passar pela esquina.

Não havia ninguém, apenas garrafas, parei a bicicleta e olhei ao redor, procurando por qualquer pessoa que pudesse me ver, quando enfim aceitei estar a sós com os objetos agarrei um das garrafas e torci para que ela possuísse água ou ao menos algo que valesse a pena, mas mal pude tocar a tampa e ouvi o barulho de uma arma sendo engatilhada, me abaixei e pulei em direção a bicicleta, apenas para ver o restante das garrafas ser atingida por estilhaços de metal, subi o mais rápido que pude e desci com a bicicleta pelo restante da estrada, ouvindo xingamentos e tiros que nunca chegaram a encontrar o meu corpo.

Quando finalmente cheguei ao fim da estrada pude ver o que se assemelhava a um deserto se os grãos de areia fossem trocados por pilhas de lixo, era um distrito de descarte, um ótimo lugar para se encontrar itens que um dia foram roubados ou descartados de alguém. Me sentei em uma pilha de tábuas e me deitei para ver o sol imponente em seu ponto mais alto, antigamente esse era o horário do almoço, mas seria um grande luxo ter muito mais do que uma maçã nessa época do ano.

Agarrei a garrafa pela qual eu já havia arriscado a vida e a virei esperando encontrar doces fotos d'água, mas apenas senti o ar quente encher a minha boca secando a pouca saliva que me restava, suspirei triste esperando que algo pudesse tirar minha fome, mas de nada adiantaria, abri a garrafa em vão procurando por qualquer tipo de mantimentos, mas encontrei apenas algumas folhas de papel, a maioria estava em branco, com exceção de duas que continham garranchos ilegíveis e uma que se assemelhava a uma carta.

O dom de saber ler com o mundo naquele estado era o meu único privilégio, o que tornavam os bons livros e cadernos um grande achado naquele lugar, me arrumei no chão e me debrucei sobre o papel esperando encontrar grandes coisas, mas as expectativas foram frustradas ao ler simples trechos:

No farol ao norte
Há um lugar sem morte
...
Venha cá testar sua sorte
...
E me encontre se for forte

Ass: E.D.

O restante das palavras estavam ilegíveis, as letras não faziam sentido e não formavam nenhum som, mas era uma convite, não havia indicações de destinatário ou algo que indicasse isso, apenas o remetente E.D.

Por um segundo meu corpo se animou e conheci o que nunca pude sentir antes, esperança, me faltava apenas encontrar aquele maldito farol.

O FarolOnde histórias criam vida. Descubra agora