Capitulo 2

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Lakina Kai era uma líder. Ela não se considerava a melhor nisso, mas sabia que era uma das únicas pessoas no mundo que tinha verdadeiramente nascido para carregar esse título e, por mais que parecesse, isso não era apenas um eufemismo da sua parte. Desde o dia do seu nascimento, no ano de 1874, todos ao redor dela já sabiam que Lakina não seria apenas mais uma das milhares de pessoas esquecíveis que existiam no mundo; ela seria mais, muito mais, e isso assustou Mahara e Hani profundamente. Os Kai não eram uma família rica, mas também não eram severamente pobres, eles se sustentavam através da venda de artesanatos feitos à mão e das peles de animais que Hani vendia depois de suas caças, sua renda não permitia muitas regalias, mas era o suficiente para que eles nunca passassem fome. Lakina foi a primeira dos seis filhos que os dois trouxeram ao mundo, seu nascimento trouxe felicidade para Mahara e Hani, que a amaram intensamente desde o segundo em que a viram. Mahara pensou que Lakina seria o impulso que eles precisavam para sair da vida mediana que levavam, ela poderia crescer e se casar com um homem de família rica, eles teriam muitos filhos e ajudariam no negócio da família. Lakina seria uma mulher educada e sofisticada, ela faria todas as amigas de Mahara ficarem com inveja, ela tinha certeza disso. Já Hani, viu em Lakina seu pequeno tesouro, o qual deveria proteger com sua vida, quando ele a segurou em seus braços, tão pequena, tão frágil e tão inocente, pensou que aquilo seria para sempre daquele jeito. Quando Lakina completou 3 anos, os sonhos e planos dos Kai começaram a desmoronar.

Lakina era uma criança inteligente e agitada, ela não gostava de ficar sentada na cozinha vendo Mahara cozinhar, muito menos tinha paciência para esperar a mãe fazer um penteado esquisito em seu cabelo, ela sujava a barra de todos os seus vestidos brincando com os garotos da rua, e chorava todas as vezes que Hani ia caçar, implorando para ir junto com ele. Mahara e Hani não se importaram muito com as birras de Lakina, diziam ser coisa de criança e que, quando ela crescesse, com toda certeza iria começar a se preocupar mais com sua aparência e a se portar como uma dama.

A tranquilidade deles começou a ser abalada quando Lakina chegou aos 7 anos: ela era mais alta do que a maioria dos garotos da cidade, vivia na casinha dos fundos, brincando com as ferramentas de Hani e tentando construir coisas novas, não importava o quanto Mahara a vestisse com vestidos de cores pastéis, pintasse suas unhas e arrumasse seu cabelo longo. Lakina continuava se diferenciando das outras meninas, ficando cada vez mais longe das expectativas que Mahara havia criado para ela em seu nascimento. Com o tempo, os pedidos de Lakina para ajudar seu pai nas caçadas começaram a ser respondidos com gritos; a casinha dos fundos que ela tanto amava, passou a ser trancada com um cadeado cujo a chave apenas Hani tinha. Ela não era mais tratada como um tesouro delicado que precisava de cuidado, era como se Lakina tivesse perdido todo o seu encanto para ele. Logo, Mahara também parou de ajudá-la a pentear o cabelo e de escolher suas roupas, e quando Lakina pediu para cortar o cabelo, tudo o que ela fez foi continuar cortando os legumes e dizer:

— Faz o que você quiser.

Então, Lakina o cortou, um pouco acima da altura dos ombros, quando Hani a viu, não esboçou qualquer expressão, apenas desviou o olhar e a mandou buscar mais lenha do lado de fora. Lakina começou a usar calças e camisetas ao invés de vestidos e saias, ela passou a treinar pontaria no quintal, usando um pedaço de tronco como alvo, e certo dia, inesperadamente, Hani aceitou seu pedido para ajudá-lo na caça. Lakina apenas o ajudou a carregar os equipamentos e os animais abatidos, mas o sorriso em seu rosto era sincero tal qual aquele que daria se tivesse ganhado um par de sapatos novos. Quando chegou em casa, Lakina contou tudo para Mahara, que apenas acenou com a cabeça e a mandou lavar as mãos para o jantar. Lakina descobriu que sua mãe estava grávida alguns dias depois.

Depois que seu primeiro irmão nasceu, as cobranças sobre Lakina se tornaram ainda menores. Mahara e Hani não se importavam mais com as roupas que ela usava, com a forma como mantinha o cabelo ou com as coisas que ela queria fazer. Mahara já não a acordava para tomar café-da-manhã ou a chamava para almoçar, às vezes, quando Lakina acordava ou chegava em casa depois de brincar, já não havia mais comida; com isso, ela teve que aprender a cozinhar. Aos 11 anos, Lakina já trabalhava oficialmente com Hani, ela limpava as armas, ajudava com as armadilhas e até mesmo tirava a pele dos animais que o pai matava; ela também ajudava em casa, cozinhando e arrumando tudo enquanto Mahara cuidava dos outros três filhos mais novos. Quando chegou aos 15 anos, Lakina se apaixonou pelo filho do ferreiro, Maron, que tinha 23 anos, seu amor não foi correspondido pelo rapaz, que quebrou o coração dela cruelmente ao dizer que via Lakina como mais um de seus amigos garotos, além de ser muito nova para ele. Ela contou, em meio ao choro, toda a história para Mahara, que a olhou como se Lakina tivesse lhe dito a coisa mais vergonhosa do mundo.

Kátharsis: O Pesadelo CelestialOnde histórias criam vida. Descubra agora