CAPÍTULO UM

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Flávia sentia-se no topo do mundo, assim que iniciava seus preparativos para ir ao ar.

Procurava a melhor posição na cadeira e bagunçava, como uma forma de organizar, os papéis que lhe eram dados como pauta obrigatória e, como um passe de mágica: estava pronta. Apenas precisava respirar fundo, abrir um sorriso inicial, mostrando para si mesma, e para todos que pudessem vê-la, do outro lado do vidro, que estava bem e era capaz de fazer aquilo.

Então...

— Porra, Flávia! — Neco disse, entrando na sala onde ela comandava o programa — Você parece que foi atropelada por um elefante dirigindo um caminhão, garota.

Ela, realmente, sentia-se como se tivesse sido atropelada por um elefante dirigindo um caminhão. E nem era porque era uma segunda-feira.

— Desculpa, pessoal. — ela pediu, sincera; não podia sequer pensar na possibilidade de deixar seus problemas pessoais afetarem seu desempenho profissional — Eu tive um fim de semana péssimo, na verdade.

Leco, o irmão gêmeo de Neco, também entrou na sala, seguido por Gabriel e Vanda. Os cinco eram como melhores amigos, dentro e fora do ambiente de trabalho, mas não faziam ideia do que havia acontecido com Flávia. Fora uma boa escolha, afinal de contas, não dizer nada acerca do que estava acontecendo em sua vida; as chances de tudo dar errado, como, de fato, deu, eram maiores do que qualquer outra coisa e ter mais gente a par de tudo apenas traria mais problemas.

— Fim de semana? — Leco indagou, sem entender — Mas tu não tava falando com a gente no fim de semana, dizendo que tava bem, na praia. Né, Neco?

— Verdade, Leco... — Neco completou — Você tava mentindo?

Sim, claro que ela estava mentindo.

E podem haver diversos tipos de praias, como A Praia dos Quase-Relacionamentos-Fracassados, situada em seu quarto, no apartamento que dividia com a amiga Ingrid.

— Você tá precisando conversar? — Gabriel, Cascacuzinho, para os íntimos, passou o braço ao redor de seus ombros e tentou confortá-la — Se precisar, a gente pode cancelar o programa de hoje ou colocar a Vanda pra te substituir...

— Não, não. Eu tô bem! — Apressou-se em interromper.

Mais uma mentira.

Flávia Santana não estava nada bem, mas poderia melhorar. Como uma boa brasileira, as desgraças da vida dos outros mostrariam que as dela nem são tão ruins assim e estaria bem melhor, pronta para outra(contém ironia).

— Podem voltar pra lá — apontou para a outra sala, onde eles tinham controle de tudo o que seria transmitido — Eu tô ótima!

Vanda cerrou os olhos.

— Você mente mal, mas eu vou deixar passar. — cruzou os braços — Se precisar de alguma coisa, bate três vezes na mesa.

Ela sorriu. Vanda não era, necessariamente, sua maior fã, mas elas se gostavam, do seu próprio modo.

Após todos saírem, um cronômetro brilhou em luzes vermelhas à sua frente. Uma hora e meia de programa. Noventa minutos e ela poderia voltar para casa e escutar um álbum inteiro da Taylor Swift.

Com uma das mãos, tateou a mesa, em busca de uma caneta e prendeu o cabelo. Deu graças aos céus por não fazerem transmissões ao vivo, sua aparência estava mais desleixada do que o normal. Vestia um moletom do BlackPink e uma calça jeans que já teve dias melhores, sem contar em uma sandália rasteira que faria a dona da rádio, Paula Terrare, ter um piripaque. Nem mesmo seu habitual delineado colorido estava ali.

POSSO TE TIRAR DESSA ROUBADA?Onde histórias criam vida. Descubra agora