CAPÍTULO DOIS

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Flávia encostou as costas na cadeira, pensativa.

— Tá, mas tu não devia estar feliz por isso?

Os problemas trazidos pelos adolescentes eram sempre os mais complicados de serem ajudados, principalmente os que envolviam assuntos do coração. Para eles, como bem lembrava ela de seus dias como uma, tudo tinha a dificuldade triplicada.

— Eu tô feliz por ela, muito mesmo. — Antônio respondeu, com sinceridade em sua voz — Eu tô preocupado em como a gente fica com tudo isso. Nosso namoro tem só oito meses e ela vai embora, sacô? Todos os meus amigos que tiveram relacionamento à distância terminaram e nenhum de nós dois quer isso.

A namorada dele havia sido notada por um time de futebol europeu e teria que se mudar. Era o sonho da vida dela, segundo o que havia dito; uma oportunidade única também, sem dúvidas. Mas Antônio tinha medo do que poderia vir depois, se o namoro sobreviveria à toda aquela distância.

— Ela tá indo quando? — Flávia preferiria que a primeira ligação fosse sobre algum outro assunto que não aquele.

Ela também estava sofrendo por um amor à distância, Antônio; a diferença era que fora imposta voluntariamente por uma das partes, não geograficamente.

— Já foi, hoje mais cedo.

Esqueça tudo o que ela havia dito sobre não pensar em Guilherme durante a transmissão. Tudo estava, de uma forma ou de outra, levando-a para o que aconteceu na sexta-feira.

— E você falou com ela sobre isso? — se Guilherme tivesse tentado dialogar sobre suas inseguranças, ao invés de expô-las inesperadamente e sair como se tivesse apagado os últimos meses, não doeria tanto.

— Ela tava tão feliz, tão empolgada com tudo isso que acabei não comentando. Ela disse que a gente ia ficar bem. Só que eu não tenho como ter certeza de que a gente vai mesmo, sabe? — ele bufou — E se aparecer um inglês dando em cima dela?

Flávia sorriu.

"Vai parecer meio clichê, mas a verdade é que ninguém tem muita certeza de nada na vida, sabe? Eu mesma saí daqui na sexta-feira dizendo que seria o melhor fim de semana de todos, que todo mundo ia amar e se divertir muito; tá até gravado. Só que passei ele todo, todinho mesmo, deitada na cama, escutando música depressiva e tomando muito sorvete. Não fui meu maior orgulho. E tá tudo bem com isso; eu não tinha como saber, entende?" Ela engoliu em seco. "O seu medo é baseado em uma suposição que você tem. Na sua cabeça, ela vai encontrar alguém lá e terminar com você; é isso o que tu tá planejando. Mas nada, nadinha mesmo, te garante que vai ser assim."

— Do mesmo jeito que você não tem como ter certeza de que o namoro de vocês vai sobreviver, você não tem como ter certeza de que ele não vai. — continuou — Você confia nela?

Ele hesitou.

— Confio, mas...

— "Mas", nada — ela cortou — Se lembra que ela também tá longe do namorado e não sabe como é que o senhor vai ficar aqui, tá? — Flávia sorriu, mesmo que ele não pudesse vê-la — Quando ela chegar, tiver descansado, puder e quiser conversar, você abre o jogo, diz o que tá pensando e vocês resolvem isso. O que não vai poder faltar é diálogo porque ninguém aqui é o Professor Xavier pra ler mentes e eu não quero que você me chegue aqui dizendo que terminaram por falta de comunicação, né? — imitou uma voz irritante — "Ain, mas nunca dá certo..." Então sejam uma exceção e pronto: me convidem pro casamento.. Daqui a uns anos! — apressou-se em acrescentar — Pelo amor de Deus, vocês são praticamente crianças.

POSSO TE TIRAR DESSA ROUBADA?Onde histórias criam vida. Descubra agora