CAPÍTULO QUATRO

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Flávia estava acostumada com as pessoas saírem de sua vida.

Foi abandonada pela mãe, dias após nascer, sob o pretexto de que uma criança atrapalhava sua vida; mas soube que casou-se dois anos depois, com um homem rico, e teve três filhos com ele. Foi colocada de lado, quando seu pai casou com uma megera. Foi deixada pelo namorado quando descobriu o câncer... Por mais que sofresse, ela sabia que boa parte daqueles que entravam, sairiam em pouco tempo. Era como sempre esperar pelo pior, até em momentos alegres.

O que Flávia não estava acostumada era ter uma aparição dessas pessoas, novamente, em sua vida. Nem mesmo a mãe chegou a procurá-la novamente; por que alguém iria?

— Ahn, — pigarreou — o que aconteceu?

VANDA: Merda! É ele?

Flávia, prontamente, começou a digitar.

FLÁVIA: É. Mas eu não sei porque ele ligou pra cá.

VANDA: Ele sabe que você trabalha aqui? Sabe que a Garota Roubada é você?

FLÁVIA: Não, eu nunca contei.

O que merda ele estava fazendo, ligando para a rádio? Ela não podia acreditar que, de todos os lugares, ele ligaria justo para lá. Era karma, com certeza. Ela deveria ter cuspido na cruz.

— Eu cometi um erro. — ela o ouviu bufar — E eu nunca cometo erros.

Ali estava a arrogância de um cirurgião. Ela odiava quando Guilherme aparecia com os discursos de que nunca errava nada. Ela revirou os olhos.

— Você... — ela pigarreou, de novo, vendo Vanda sinalizar que cancelaria a ligação. Rapidamente começou a gesticular, demonstrando que não era necessário — Como assim?

Ele hesitou por alguns segundos.

— Eu sou médico, não posso cometer erros...

— Não. — interrompeu — Como foi esse erro?

No momento em que sua boca proferiu a última palavra, ela se arrependeu de ter perguntado. Primeiro, Guilherme liga para o seu trabalho, sem motivo aparente; depois, vem com uma conversa de que errou em algo. Agora, seu eu tolo estava curioso, cheio de esperança de que o erro pudesse ter sido o término.

— Eu machuquei alguém porque não cicatrizei algumas feridas. E isso não me deixa dormir direito. — ela engoliu em seco — Eu acho que, se eu começar a te contar agora, sem te explicar a razão, vou parecer muito idiota. Mas eu, basicamente, magoei alguém incrível por medo.

— Então, me explica a razão...

Não era a "Garota Roubada" ou a "Pink" que perguntava, era a Flávia. Sem identidade secreta, sem nada. Ela queria saber a razão. Ela queria saber porque Guilherme não dormia direito, assombrado pelo erro. Ela queria saber a razão de tudo aquilo. Ela queria saber se o erro era sobre ela... Sobre eles.

"Eu quase me casei, há quatro anos." Começou, com a voz mais vulnerável que ela já escutou vindo dele. "Na época, eu vivia em outro lugar, tinha outros amigos... Era uma pessoa diferente, mais ou menos. Eu conheci alguém muito especial e não podia mais imaginar minha vida sem ela." Ele riu, sem graça. "A ideia de ver outro homem com ela, me fazia querer morrer."

Tudo fez sentido, então.

Foi como se uma luva, cheia de espinhos, caísse em sua mão. Como ela podia ter sido tão burra? É claro: havia mais alguém ali. Agora, entendia todas as vezes que ele desviou o foco de cada conversa onde o tema envolvia futuro. E entendeu todas as promessas que fizeram juntos como lapsos eufóricos; poderiam ser apenas aquilo. Guilherme não a amava, nunca a amaria.

POSSO TE TIRAR DESSA ROUBADA?Onde histórias criam vida. Descubra agora