Capítulo 4: Memorial.

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Mamãe parou o carro em frente ao teatro. Senti um nervosismo invadir meu corpo nesse momento. E se ele não vier? Ou se vier e não ficar aqui comigo? Acho que estou frustrado comigo mesmo por pensar tanto assim que essas coisas tendem a serem rápidas. Na verdade, eu queria que fossem. Antes que eu descesse, ela me perguntou:
    - Onde está Júlia?
    - Hm... Ela deve estar aqui ou vai chegar daqui a pouco. - mentira.
    - Certo. Cuidado, então. Te ligo quando eu estiver vindo te buscar.
    - Obrigado.
Saí do carro pedindo a Deus que ela não me perguntasse mais nada, porque ela não é tonta. Mamãe sabe quando estou mentindo.
Primeiro tenho que achar Hiago, isso se ele estiver por aqui. Comecei a andar pela enorme praça do teatro. Tem bastante pessoas aqui hoje, principalmente famílias tendo momentos de diversão. Esse é o lado ensolarado da Rio Branco. Por outro lado, o lado sombrio - não é o que eu acho, tá?! É o que dizem. - a grama na lateral do teatro está cheia de jovens (rockeiros e emos). Pude vê-los conversando enquanto bebem e fumam. Admiro eles.
Hiago não está aqui. Eu sei porque ele não é rockeiro, nem emo. Skatista, sim.
Este grande Corredor Cultural está lindo nesse fim de tarde. Talvez as coisas estejam mais lindas hoje porque estou alegre. Talvez, para alguém, em Mossoró ou no globo, seja um fim de tarde, ou começo de manhã, horrível. Mas para mim, em Mossoró e, geograficamente, no globo, é um fim de tarde bonito. Os fins de tarde são sempre bonitos para mim.

Há muitas pessoas andando de patins na praça e há alguns skatistas também. Fiquei à beira da pista de patinação esperando que ele estivesse ali. O sol já havia sumido e o céu estava escurecendo. Aquele movimento todo estava confundindo a minha visão. Mas olhei com mais atenção e vi que Hiago estava sentado na plataforma, perto de várias outras pessoas.
Ele está sozinho, distante dos outros skatistas. Usando uma camisa azul escuro, calça jeans e tênis branco, com o skate no colo. Ele está tão lindo, combina parcialmente com o céu de agora.
Não sei se fico paradinho aqui ou vou até ele.
Suspira.
Nesse momento, eu só queria que as pessoas ao redor sumissem e deixassem ele sozinho comigo. Comecei a caminhar na direção dele pedindo para o meu coração não ter um ataque cardíaco de tão rápido que ele estava batendo.
Ele estava com o rosto virado para o outro lado. Dei dois toques em sua perna, fazendo-o virar o rosto para mim.
    - Oi, tudo bem? - falei tentando esconder minha empolgação.
    - Oi, Nicolas. - disse ele pulando da plataforma sorrindo - Estou bem. E você?
Ele me envolveu num abraço apertado, tão gostoso que eu não queria sair dele.
    - Estou bem. Está aqui há muito tempo? - perguntei e então a gente se separou.
    - Sim. E você?
    - Não muito.
    - Gostei da sua camisa. - ele passou o dedo indicador na minha camisa.
    - Gosta de Nirvana?
    - Sim. É uma das minhas bandas favoritas.
    - É uma das minhas também.
A agitação da praça pareceu ficar mais barulhenta de repente, começando a me incomodar, ao mesmo tempo que eu não me importava porque eu encontrei ele. Me sinto menos nervoso agora e mais alegre. Não faço a mínima ideia do que conversar com ele.
    - Aqui está cheio hoje. Quer ir pra outro lugar? - ele disse, olhando para mim.
    - Você não vai mais andar de skate?
    - Eu já andei demais. Pra onde você quer ir?
    - Para onde você quiser.
Ele falou algo que eu não pude ouvir. Colocou a bolsa nas costas, pegou seu capacete e skate que estavam em cima da plataforma, e disse:
    - Vem! - me puxando pela minha mão.
    - Pra onde estamos indo?
    - Memorial.
Saímos correndo de mãos dadas até o fim da praça dos patins e paramos porque o semáforo estava verde. Depois, quando o semáforo ficou vermelho, cruzamos os carros parados até a praça da convivência, ainda de mãos dadas. E quando subimos a praça, soltamos as mãos. Fomos caminhando pela praça da Convivência que não tinha tantas pessoas assim, apesar de seus restaurantes e bares estarem abertos.
Ele estava do meu lado, mantendo uma certa distância enquanto andávamos. Ele é lindo demais. Ele olhou para mim e sorriu.
    - Você está lindo, Nicolas.
Retribuí o sorriso, sentindo minhas bochechas arderem. Queria ter dito que ele está lindo também. Muito muito muito lindo. Mas minha timidez não deixou-me dizer nada.
Havia poucas pessoas na praça do Memorial. Algumas estavam passeando entre as fotografias de Lampião, lendo sobre ele e seu Cangaço, exibidas num módulo da praça. Outras sentadas conversando. E algumas só passando por ali mesmo.
    - Você quer ir lá pra cima? - ele perguntou apontado para um módulo.
    - Eu não sabia que tem como subir lá.
    - É, a escada é um pouco escondida.
Subimos a escada que, até então, eu não sabia que existia; talvez porque a vegetação da praça a escondem. Na escada há um corrimão. Necessário porque ali é escuro.
Aqui de cima, a vista da cidade é muito linda. O terraço do Memorial tem uma sacada feita de tijolos maciço (a estrutura do Memorial inteira é feita disso) e mármore preto. A sacada media até pouco mais da minha cintura e é larga. E entre as paredes da sacada tem um jardim sem plantas (mas cheia de bitucas de cigarro) por isso dá para sentar ou apoiar os braços. Há dois jardins, também, um do lado esquerdo e outro do lado direito e no meio fica a entrada do terraço (não tem plantas também). Tem algumas garrafas nos cantos das paredes. E é um pouco escuro, pois o terraço fica acima das iluminações da avenida.
Hiago colocou suas coisas perto do jardim. Nós estávamos no lado direito do terraço. Ele sentou na sacada e começou a admirar a cidade também. Eu fiquei em pé, não muito longe dele.
    - É tudo tão lindo. - falei, apoiando meus cotovelos na sacada.
    - O quê?
    - A cidade.
Ele sorriu e virou o rosto para a avenida.
    - Hiago.
    - Oi?
    - Gosto do seu nome.
    - Também gosto do seu.
Eu sorri e ele retribuiu. Hiago tem um sorriso lindo. E o jeito dele é encantador. É cedo demais para dizer que gosto dele? Porque eu gostei dele desde que o vi.
Hiago desceu da sacada.
    - Eu quero saber uma coisa. - ele disse.
    - O quê?
    - Por que você gostou de mim?
Um frio ardente percorreu meu corpo.
    - Eu não sei. - respondi.
    - Você me disse por mensagem, mas não explicou muita coisa.
    - E é mais difícil pessoalmente.
    - Tenta.
Pensei por algum tempo como explicar.
    - Hm... Quando vi você... Eu apenas senti... Algo. Que. Eu. Nunca. Senti. Ao. Olhar. Para. Alguém. Pela. Primeira. Vez.
    - Eu nunca pensei que alguém poderia se sentir assim por mim. - ele disse depois de um tempo.
    - E eu nunca senti aquilo por ninguém.
É verdade. Victor e eu, por exemplo, precisamos construir tudo que tivemos. Levou tempo. Mas com Hiago, eu tenho a sensação de que não precisamos construir nada. Que foi à primeira vista, sabe?
Ele aproximou-se de mim. Estamos lado a lado agora, observando o trânsito.
    - Haverá tempo para você me dizer como se sentiu. - ele disse.
    - Eu... Espero que sim.
O ar está frio com um cheiro esperançoso de chuva.
Lentamente, olhei para o rosto dele. Seus olhos são tão escuros que as luzes de Mossoró brilhando em suas íris lembram-me uma galáxia. Aquela sensação incrível que eu senti quando o vi pela primeira vez me submergiu de novo.
Ele sorriu. Meus olhos queimaram.
    - Você está muito lindo, Hiago. - sussurrei.
Foi o que eu quis dizer desde que o encontrei hoje.
É estranho que o conheço há pouco tempo, mas tenho a sensação de que conheço há anos. Nunca foi assim com Victor, nem com nenhum outro garoto que veio depois dele. Apenas com Hiago. Por que?
Em algum momento, começamos a acariciar a mão um do outro enquanto ele me contava sobre como foi andar de skate hoje. E então eu perguntei como se anda de skate, e...
    - É muito fácil: é só subir no skate e remar.
    - Ah, não acredito...
Rimos.
    - Qualquer dia eu te ensino.
    - Eu não conseguiria.
    - Consegue, sim.
Senti meu telefone vibrar no meu bolso. Era uma ligação da minha mãe.
    - Onde você está?
    - No Memorial.
    - Aparentemente, vai cair uma chuva forte. Estou a caminho.
Ela desligou o telefonema. Eu olhei para cima e percebi que as nuvens estavam mesmo carregadas. Hiago percebeu também.
    - Como não olhamos para o céu esse tempo todo? - perguntei.
    - Se você quiser, posso te deixar em casa.
    - Não, obrigado. Minha mãe já está no caminho.
    - Me empresta seu telefone rapidinho?
    - Sim.
Ele digitou algo.
    - Meu número. Me ligue mais tarde.
    - Com certeza eu irei.
Antes de descermos as escadas, ele virou-se para mim e me deu um beijo na bochecha.
    - Até logo, Nicolas!
    - Até breve... Hiago.
Toquei minha bochecha com as pontas dos dedos, observando-o ir embora escada abaixo.

Carta de Suicídio (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora