Capítulo 1

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Amy

Tamborilei os dedos ao volante ao mesmo tempo que esperava o carro a minha frente. Por que as pessoas não podiam ser mais rápidas? O trânsito de Los Angeles era um caos e estava atrasada para o meu plantão. Dormi mal, tive que buscar meu pai e ainda ficamos mais de meia hora presos em um mesmo ponto da Venice Boulevard por uma obra de recapeamento. Não era meu dia de sorte.

Senti o celular apitar em meu bolso e reprimi um bocejo quando finalmente a entrada do estacionamento ficou livre e girei a direção para minha vaga habitual percebendo meu pai apertar a alça de segurança. Qualquer pessoa que estivesse tentando me contactar não teria notícias boas.

— Pode dirigir mais devagar! – meu pai comentou quando o carro freou com mais força do que deveria, estacionando após a curva.

— Estava em uma velocidade normal respeitando todas as leis de trânsito – suspirei irritada – O problema é que algumas pessoas são lentas demais e ainda teve a obra! Estamos atrasados, o doutor Daniels ficou de vê-lo antes das oito e...

— Pare com isso, Amy! Ninguém vai morrer por alguns minutos. Já estou feliz por ter chegado bem com você correndo por aí. Essa sua irritação, você herdou da sua falecida mãe...

— A mamãe está viva, pai. Morando em Seul, como bem sabe – comentei sem paciência. Peguei minha mochila no banco de trás e apertei meus olhos tentando controlar meu sono. Precisava desesperadamente de café.

— Pois para mim está morta depois do divórcio – declarou.

— Falei com ela há dois dias e está ótima, até mesmo cortou o cabelo e adorou. Tenho certeza que mortos não vão ao salão de beleza.

— Essa morta sim e não quero saber nada dela! – foi a vez de Han Young suspirar com impaciência – nós não estávamos atrasados?

Dei uma risada discreta e encarei no espelho do carro antes de sair do veículo enquanto meu pai já estava de pé ao lado do sedan prateado. Ajeitei meu coque, passando a mão pelos fios pretos e grossos até os achar perfeito. Não tinha o que pudesse fazer com minha expressão de cansaço. Os olhos meia lua pareciam ainda menores e avermelhados. Talvez se deixasse Lisa, minha irmã mais nova, me ensinar algumas técnicas de maquiagem, ficaria apresentável. Deus sabe que os tutoriais da internet não conseguiam me explicar como reproduzir maquiagens em meus olhos orientais e nunca tive muito interesse no tema.

Fiz um gesto com as mãos, acompanhando meu pai até a entrada do hospital. Ele era um homem de estatura média e que, mesmo com o calor da cidade, gostava de usar casacos e coletes de lã. Aos 70 anos, tinha o cabelo salpicado de brancos mas ainda mantinha a expressão dura como me lembrava na infância. Papai era o rígido e mamãe a que nos abraçava... sempre foi assim até que uma mudança aconteceu e tudo na casa se transformou. Ele e minha mãe se separaram quando eu tinha 18 anos e ela passou a morar com a família em Seul, nos vendo esporadicamente e conversando ao telefone algumas vezes por mês.

Toda semana, eu e Lisa – e em consequência Austin, meu cunhado e as gêmeas Lana e Eve – almoçávamos com papai. Tentávamos ligar, mas ele detestava atender, e só conseguimos estar mais perto quando minha irmã se mudou para a casa ao lado. Han Young achou que estávamos nos metendo demais, mas sabíamos que secretamente amava poder ver as netas a hora que quisesse apenas com uma curta caminhada.

Foi através da nossa "vigilância" que reparamos que papai sentia dormências e dores que amava culpar a velhice. Algumas semanas de conversa depois, ele aceitou ver um amigo ortopedista do Saint Margaret, o hospital que eu trabalhava desde a época da residência, apesar de reticente. Para evitar que desmarcasse ou arranjasse desculpas, eu mesma organizei tudo e ainda fui busca-lo. Era meu dever como filha, mas uma série de imprevistos me tornou uma parente responsável porém atrasada para o plantão.

Um Amor de Vizinho - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora