– Não, não faça isso.
A voz tranquila, porém firme, tirou Penélope dos seus devaneios, mas seus olhos ainda encaravam as águas escuras do rio que passavam sob a ponte em que estava.
– Isso o que? - Perguntou, finalmente, virando-se para encarar o dono da voz. Um senhor bastante idoso, que aparentava uma ligeira confusão, ainda que tivesse olhos perspicazes em um tom raro de cinza.
– Você estava pensando em pular, não estava?
Penélope deixou escapar um riso indignado.
– É claro que não! - Mas, talvez ela estivesse, sim. Mesmo que profundamente e sem grandes pretensões de concretiza-lo de fato. - Afinal, quem é você?
Com mais atenção do que antes, a jovem passou a captar os detalhes do homem que apesar de importuna-la, não tinha se apresentado. Suas vestes eram simples e talvez um pouco sujas. Um morador de rua? Quem sabe.
Estranhamente ela não sentiu medo do homem desconhecido. Pelo contrário, ele transmitia sentimentos bons e a deixava curiosa. Queria saber mais e mais sobre ele. Eram sentimentos que há muito ela não sentia.
– Eu sou ninguém. - O senhor respondeu, deixando-a um tanto confusa. - E talvez seja todo mundo.
Esforçando-se para não rir de nervoso, Penélope apenas concordou. É possível que ele esteja um pouco confuso, pensou consigo mesmo.
– Mas, isso não importa.
Ainda que discordasse totalmente ela não refutou. Temia em deixa-lo irritado. Agora, estava ainda mais curiosa com o que ele poderia lhe dizer.
– Vamos. Vamos nos afastar da borda. A altura me dá arrepios. O que é curioso, mas deixe isso para lá também. Diga-me, por que ainda não fez nada quanto a tudo isso?
Os dois começaram a caminhar pela extensa ponte que cruzava o rio, um caminho que Penélope fazia com certa frequência quando precisava pensar, como agora. Como tinha feito alguns momentos antes de ser interrompida.
Diante da pergunta certeira, que parecia até mesmo uma invasão aos seus próprios pensamentos, ela estancou.
– Quanto a tudo isso o que?
– Oras, você sabe o que. O trabalho que não gosta. O curso que não sabe nem ao menos porquê começou. A paixão juvenil que perdura até hoje. Já vou adiantar, ele não é pra você, você está apenas perdendo tempo. Um tempo precioso, aliás.
De repente, passa pela cabeça de Penélope que talvez ela tenha pulado da ponte e que tudo isso seja em outro plano. Ou pior, que talvez ela esteja em coma nesse exato momento, tendo alucinações cada vez piores até que a morte chegue. Ela esfrega os olhos, tentando acordar, e começa a ter uma leve dificuldade em respirar. Sinal que a ansiedade está chegando, vindo a todo vapor, o que inviabiliza a questão dela estar morta. O que diabos estava acontecendo?
Ainda que não se sentisse exatamente assim, Penélope o encara com uma expressão petulante e nada diz, aguardando que ele explique sobre o que está dizendo.
– Você não precisa de mais explicações. - A fala a pega de surpresa mais uma vez. Esse homem estava lendo seus pensamentos? - Quando sua mãe diz que um romance seria bom para você, ela está dizendo a verdade.
– Besteira. - A voz dela não passa de um resmungo, mas o senhor parece ouvir perfeitamente, a medir pela forma como ele sorri abertamente.
– Mesmo? Vamos, continue andando. Você já está empacada em coisas o suficiente na vida.
Soltando o ar enfurecida, Penélope pensa em ser como uma criança birrenta e ficar exatamente onde está, mas algo a faz segui-lo. É como se não pudesse controlar seus próprios movimentos.
– O que me diz? - Já tinham chegado em uma parte mais baixa da ponte, onde ela passava próxima a um parque. Não é mais assustador como em seu ponto mais alto, mas ela percebe que o homem se aproxima da borda devagar mesmo assim e não pode ignorar que sente uma ligeira vontade de rir. Não se sabe se por achar graça ou de nervoso.
– O que? - Ela pergunta, tentando encontrar no parque o que ele está lhe mostrando.
– Ele. Ali, parecendo incomodado.
Forçando a vista e sem saber ainda o que estava buscando, tudo fez sentido quando seus olhos pousaram sobre ele.
– Ah. - Foi tudo que deixou escapar enquanto tentava, de forma um tanto quanto falha, avalia-lo. De fato, ele parecia incomodado. Não estava com roupas adequadas para um dia no parque, parecia mais que estava indo para uma importante reunião de trabalho. Um adolescente, quase ainda uma criança, o acompanhava e parecia muito mais interessado no lugar. Penélope quase podia ouvir o jovem chamando o mais velho para jogar bola ou apostar uma corrida e recebendo uma grande negativa em seguida. Uma vida triste, pensou.
– Como a sua.
– Olha aqui! Minha vida não é... - A indignação sentida por Penélope fez com que as palavras se embolassem em seu cérebro e não saíssem como deveriam. Sentiu sua garganta travar e seus olhos arderem, percebendo que estava a ponto de chorar.
– Não?
– Não!
– E se eu mostrasse para você?
– Mostrasse o que? - Tudo o que ela mais queria agora era apenas ir para sua casa e dormir por longas horas. Até tinha esquecido de ir para a faculdade. Dane-se o curso. Odiava exatas com todas as forças.
– Que sua vida pode ser muito melhor, óbvio.
– Por que tudo para você é óbvio? Isso é irritante.
– Porque talvez as perguntas sejam bobas.
Antes de deixa-la responder, o homem a interrompeu. De maneira sábia, pois pelo enrubescer do rosto de Penélope, uma série de impropérios viriam a seguir.
– Permita-me uma demonstração.
– Como você vai me mostrar?
– Isso é um sim? Vamos, feche os olhos.
Ela queria dizer que não. Não estava concordando com nada disso. Mas, não conseguiu.
Como se obedecessem mais ao velhote do que sua própria dona, seus olhos fecharam-se.
– Amanhã, Penélope, você irá conhecer uma nova versão de si mesma.
Seu último pensamento, acompanhado de um calafrio, foi que não tinha dito seu nome em momento algum.
E depois disso, nada.
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A melhor versão de nós dois
RomancePenélope e Renato vivem o que acham ser o melhor que podem ser. Mas, uma figura misteriosa está disposta a mostrar para os dois que ambos podem fazer melhor, transformando-se em suas melhores versões. Primeiro conto da série Versões.