Quando o despertador tocou, Penélope abriu os olhos e xingou baixinho. Tinha sido acordada de um sonho muito bom que aos poucos escapava de sua memória.
– Droga.
De repente, achou o quarto escuro demais e levantou-se apressada para abrir a cortina. Sentia necessidade da claridade natural que vinha de lá de fora. Mas, mesmo com os raios de sol que agora entravam, as paredes pareciam extremamente sem graça e sem vida. Sem cor.
Acho que posso melhorar isso, pensou. E pela primeira vez, não queria deixar para depois.
Faria isso naquele dia mesmo.
Por sua vez, Renato acordou achando sua casa grande e silenciosa demais. Suas roupas de marcas caras pareciam inadequadas e percebeu que não tinha nada informal o bastante para dar uma volta pela rua sem chamar atenção.
"Ei, Fê, o que acha de dormir aqui em casa hoje?"
Seu sobrinho respondeu à mensagem algumas horas depois, quando acordou, com uma figurinha desconfiada. Tato nunca o tinha chamado para dormir lá antes e não saberia dizer o porquê fora impelido a fazer isso agora, mas fez.
"Evidentemente."
Ele respondeu, finalmente, com a petulância dos adolescentes, fazendo seu tio sentir-se leve como há muito não sentia e se pondo a planejar o final de semana perfeito.
Os dias passaram para Penélope assim como passaram para Renato.
Ela tomou coragem e trancou sua faculdade, se inscrevendo para a próxima turma de artes. Pensou um pouco mais sobre o emprego, porque precisava pagar suas contas, mas depois de alguns meses, desistiu. Suas economias segurariam as pontas. Não demorou para que conseguisse um estágio em uma revista.
O ato de rebeldia de Renato foi um pouco mais dramático, como haveria de ser. Depois de uma semana trabalhando sem parar e somando horas extras a outras tantas que ele já possuía, teve um pequeno surto quando seu chefe pediu para que trabalhasse em mais um final de semana.
– Eu demito! - Gritou, tirando sua própria gravata e jogando-a para cima. Renato debutava sua liberdade.
O tempo continuou passando. E os dois, cada qual em seu caminho, desbravavam situações que antes não imaginavam que poderiam.
Penélope adotou dois gatos. Renato mudou-se para mais perto do parque e cogitava adotar um cachorro. Ela cortou o cabelo e começou a passar algum tempo vendo cabelos coloridos na internet. Ele instalou alguns jogos no celular.
Um dia Penélope teve coragem de mostrar um esboço de Pati Pink para seus colegas de trabalho.
E, em um dia ainda mais distante, Renato passeava com Abu, seu cachorro, quando passou por uma banca de jornal e a viu. A Pati, não Penélope.
Nunca antes ele tinha se interessado por histórias em quadrinhos, mas aquela trazia alguma familiaridade que ele não fazia ideia de onde. Não pode esperar em casa para ler a história e sentou-se no parque mesmo para degusta-la.
Falava, de forma lúdica, sobre o tempo. Não, não era só sobre isso. Falava também sobre o medo.
A personagem mostrava de forma colorida e divertida que às vezes bastava um empurrão, que poderia vir das mais variadas formas. Uma música, uma palavra, um livro ou até mesmo uma pessoa...
Mas tudo bem também se você precisar de um tempo para ter coragem. Às vezes a gente demora para respirar fundo e enfrentar aquilo que tanto nos assusta. E tudo bem.
A história terminava com Pati, que depois de muito temer apresentar um trabalho em seu colégio acabava tirando nota máxima e descobrindo que até tinha gostado daquilo - mas só um pouquinho.
Sorrindo sem saber exatamente porquê, Renato ficou ali por um tempo, refletindo sobre o que tinha lido. Era quase que a sua própria história em formato infantil. Quanto tempo demorou para encarar o que temia? Quantas coisas ele ainda estava enfrentando? E tantas outras que ainda não tinha coragem.
As mudanças foram desafiadoras e, além de coisas boas, trouxeram também sentimentos menos nobres. Mas, era diferente agora, porque ele sentia que estava finalmente no caminho certo, mesmo que o terreno fosse instável.
Com a sensação reconfortante de que estava se tornando uma pessoa melhor, levantou-se para ir embora, mas a foto na contracapa chamou sua atenção. Era da autora.
– Que dia é hoje? De número! - Ele perguntou para a primeira pessoa que encontrou.
– 22 – a pessoa respondeu um tanto assustada.
– Nós temos que correr Abu! Vamos! Vou te deixar em casa!
E ele correu. Primeiro para a casa, onde deixou o pequeno cachorro caramelo, depois para a ponte.
Em busca de Penélope.
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A melhor versão de nós dois
RomancePenélope e Renato vivem o que acham ser o melhor que podem ser. Mas, uma figura misteriosa está disposta a mostrar para os dois que ambos podem fazer melhor, transformando-se em suas melhores versões. Primeiro conto da série Versões.