– Você prometeu, Tato!
– Prometi trazer você ao parque e jantarmos depois, não prometi caçar Pokémon com um celular.
– Você está ficando cada vez mais chato, sabia?
Sim, Renato sabia. Sentia-se cada vez mais cansado e isso não era culpa da idade. Ainda era jovem, talvez jovem demais para as responsabilidades que carregava. Almejou promoções em seu trabalho, mas esqueceu de considerar o quanto elas custariam para sua vida pessoal.
Aliás, qual vida pessoal? Ela parecia tão distante agora que nem sequer sabia como era ter uma mais.
A ida ao parque com seu sobrinho, Felipe, foi marcada tal qual um evento. Ou uma importante reunião. Depois de meses sem vê-lo e muitas mensagens trocadas, Renato finalmente cedeu em achar um espaço em sua organizada e metódica agenda virtual.
Você deve estar se perguntando sobre os finais de semana. Eles funcionavam exatamente como qualquer outro dia. Ou Renato estava afundado em trabalho ou então apagado, dormindo profundamente.
Toda a energia que um dia teve foi drenada do seu ser. Ele vivia pensando que deveria dar um jeito em tudo isso, mas nunca achava espaço em seus dias para definitivamente faze-lo. Quando se olhava no espelho demorava um pouco para se reconhecer na imagem refletida. Não havia sido sempre assim. Quando foi que ele tinha se perdido tanto?
– O que você quer fazer, então? - Felipe perguntou, resignado, cansado de discutir com o tio.
– Respirar. - Ele murmurou em troca, e estava sendo totalmente verdadeiro. Só queria poder respirar em paz, longe das paredes opressoras do seu escritório. Renato trabalhava em casa, mas as facilidades do home office eram também o ponto mais sensível dele. Era exatamente como morar dentro do trabalho e, como pode descobrir, isso era assustador.
– Nós respiramos o tempo todo, caso você não saiba.
A petulância adolescente fez Renato sorrir. Era bom estar ali, mas ainda assim ele se sentia vazio. Talvez isso fosse tudo que restava dele agora. Um imenso e escuro buraco.
– Você liga se eu for com um pessoal? Acabei de ver a Marli, da escola. Ela sempre caça Pokémon aqui.
– Pode ir. Vou ficar por aqui, nos encontramos em uma hora para jantar?
– Combinado! - Felipe respondeu, aliviado, e já correndo de encontro aos seus amigos.
O sentimento de Renato era semelhante. Depois de sabe-se lá quanto tempo ele pode finalmente sentar-se na grama e ficar em paz. Ou o mais próximo de paz que poderia chegar. Sentiu-se rebelde por sujar suas caras roupas sentando-se na grama e isso pareceu libertador.
– Não precisa ser assim.
Renato pode constatar que não tinha nenhuma doença cardíaca, porque caso contrário teria, sem dúvidas, infartado com o susto que levou com a voz do homem que se sentou ao seu lado sem que ele tivesse percebido.
– Olha, amigo, eu não tenho dinheiro comigo. Mas, pode levar meu relógio, ele custa um bom dinheiro, você com certeza conseguirá vendê-lo.
As palavras saíam como se ele estivesse preparado para que essa situação acontecesse a qualquer momento, apesar de ter se assustado inicialmente. Talvez estivesse. Renato sempre estava preparado e isso era exaustivo.
– Para o que eu usaria um relógio?
Não era a resposta que ele esperava e, em meio ao movimento de tirar o acessório de seu pulso constatou que nem mesmo ele o usava. Era nada mais, nada menos que um enfeite. Deixou que ele caísse na grama, entre os dois e, pela primeira vez, sentiu-se um tanto receoso.
– Não tenho mais nada.
O homem mais velho concordou e a veracidade daquela afirmação causou uma pontada no peito de Renato. Era isso, ele não tinha nada.
– Eu não vou roubar você.
– Não? - perguntou ainda em dúvida.
– Não. Pelo contrário. Eu quero enriquecer você.
Uma gargalhada quase escapou de Renato. Será que iria ser oferecido para ele um bilhete de loteria premiado? Gostaria que fosse verdade, dinheiro nunca seria demais.
– Existem outras coisas, além disso.
A confusão no rosto de Renato era evidente. Será que tinha dito seus pensamentos em voz alta? Ou a resposta do homem foi apenas uma coincidência? Não, mas não podia ser. Antes que pudesse abrir a boca para verbalizar toda sua indignação, o velho continuou:
– Eu posso te mostrar algumas riquezas da vida. Ela pode ser bastante colorida.
– Desculpe, eu não estou interessado em drogas.
Agora foi a vez do senhor rir, o que começou a chatear Renato. Não era comum que pessoas rissem dele, na maioria das vezes elas chegavam a teme-lo. O que também era ruim.
– Você é ainda mais difícil do que ela.
– Ela quem? Senhor, você precisa de ajuda? Quer que eu chame alguém?
Esquecendo-se do receio de ser assaltado, ele tirou o celular do bolso, pensando qual órgão poderia acionar para que ajudassem o homem que parecia estar bastante confuso.
– Feche os olhos.
– O que? Eu não vou... - Renato tentou contestar a ordem estranha e até pensou em levantar-se. Mas, tarde demais. Seus olhos se fecharam sem que ele tivesse controle sobre os mesmos.
– Amanhã, Renato, você irá conhecer uma nova versão si mesmo.
– Eu não...
Renato era forte, e relutante. Se tivesse conseguido manter-se no controle teria completado a frase com "eu não disse o meu nome", mas ele não conseguiu.
E depois disso, nada.
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A melhor versão de nós dois
RomancePenélope e Renato vivem o que acham ser o melhor que podem ser. Mas, uma figura misteriosa está disposta a mostrar para os dois que ambos podem fazer melhor, transformando-se em suas melhores versões. Primeiro conto da série Versões.