Novas versões

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Quando abriu os olhos, depois daquele encontro esquisito, Penélope não se lembrava mais de nada e apenas seguiu seu caminho. Chegou atrasada na faculdade que odiava e sentiu, como todos os dias, que estava em um caminho errado.

O mesmo aconteceu com Renato. Depois de uma hora e algumas mensagens trocadas, ele reencontrou Felipe. Os dois jantaram em uma famosa hamburgueria da cidade e, após deixa-lo em casa, Renato voltou a sentir tão vazio quanto antes.

Os dois sentiam-se anormalmente cansados e, antes mesmo que pudessem tomar um banho e colocar outras roupas, adormeceram. Cada um em sua respectiva cama, é claro.

O sol em seu rosto despertou Penélope.

Eu devia ter fechado a cortina ao meu deitar.

Foi o que ela pensou, mas ao abrir os olhos não reparou que naquela janela não havia uma cortina. Sabendo, pela claridade do dia, que devia estar atrasada, pulou da cama, xingando baixinho por estar com as mesmas roupas de cores sóbrias da noite anterior. Logo pensou em correr para o banheiro e tomar um banho, mas uma olhada para a cama a fez parar.

Ela continuava deitada ali, em um tranquilo sono relaxado, onde o sol não incomodava.

O sol não acordou Renato, mas o som de crianças brincando do lado de fora o fez. Ele também xingou e resmungou, mas precisou de muito menos tempo para perceber que aquele não era seu quarto.

Assustado, saiu da cama num pulo só para assustar-se ainda mais.

Ele continuava dormindo em meios a lençóis de estampas divertidas, que nada lembravam os seus.

Penélope gritou. Renato, surpreendentemente, também.

Mas ninguém ouviu.

Os dois fizeram movimentos similares, olhando para as próprias mãos e, posteriormente, para o corpo inteiro, constatando que estavam inteiros. Antes que pudessem fazer muitas perguntas, as memórias do dia anterior voltaram.

Amanhã você irá conhecer uma nova versão de si mesmo.

Ao mesmo tempo em que Penélope ficou embasbacada com a lembrança, Renato teve raiva. Porque ele tinha medo, e era assim que ele reagia quando ficava tão amedrontado que não sabia nem para onde se mover.

Ela começou a olhar em volta, tentando assimilar tudo o que estava vendo. Era o seu quarto, sim. Mas, ele estava diferente. Ao invés de paredes brancas e sem graça, havia pinturas agora, como se fossem grandes telas que exibiam uma paisagem impressionante.

As suas roupas, espalhadas pelo quarto, também não eram as mesmas. Havia mais vida.

Sim! Era isso. Ali tinha vida.

Demorou mais do que Penélope para que Renato analisasse o espaço em que estava. Ele não conhecia aquele quarto, mas com certeza podia identificar algumas coisas como sendo suas. Os livros, por exemplo. Reconhecia cada um deles, inclusive as marcas que eles tinham. Fazia tempo que não tirava algum momento para ler, por sinal.

Caminhou para a janela e viu logo abaixo de si o parque que tinha estado no dia anterior. Era dali que vinham as vozes de crianças. Lembrou de um prédio que ele sempre passava em frente, pensando como seria morar próximo a tanto verde. Mas, era um lugar pequeno demais para ele, pensava. Agora via que talvez não fosse.

Uma batida na porta, que se abriu logo em seguida, fez o coração de Renato quase pular por sua boca.

– Tato! Acorde! Nós vamos no parque, esqueceu?

Ele temeu ser visto, mas isso não aconteceu. Estava invisível!

Seu outro eu balbuciou algo incompreensível, mas Felipe foi insistente.

– Vamos ou vou jogar água em você! Já estou acordado há eras.

O comentário fez Renato procurar o relógio mais próximo. Já passava das dez. Ele nunca dormia até tão tarde! Mas isso era bem menos impressionante do que Felipe ter dormido na casa dele. Porque nunca tinha pensado nisso antes? Um primeiro sorriso escapou de seus lábios. Era bom ter o sobrinho com ele.

Vamos, idiota, acorde logo.

Ainda que Renato começasse a ver coisas das quais gostava, ninguém estava mais surpresa que Penélope.

– Eu tenho um gato! Não, dois gatos! - Disse para ninguém em especial, já que ninguém poderia ouvi-la.

Ela encarava as duas bolas de pelos, uma alaranjada e outra tigrada, surpresa e maravilhada. Os dois a encaravam de volta. Bom, talvez eles pudessem ouvi-la, afinal. Sempre quis adotar um gato, mas sempre deixava para depois e o dia ideal nunca chegava.

Agora eles estavam ali e de repente essa sua outra vida pareceu interessante.

Talvez mais interessante que a sua própria, mas isso não era algo que ela queria pensar agora.

Observou, um pouco receosa, ela mesmo acordar e levantar. Não parecia desanimada ou deprimida como se sentia quase todos os dias. Estava bem. Talvez até feliz.

– Ei, duplinha, eu já vou. Não precisa miar! - Ouvir sua própria voz era bastante estranho, mas não mais que o medo de ser vista e ter que explicar o que estava fazendo no quarto, sendo que nem ela sabia.

Mas isso não aconteceu. Era como um fantasma, invisível para todos. Menos para os gatos.

Fale os nomes deles, pensou. Queria muito saber como eles se chamavam. Mas antes que tivesse o pedido atendido percebeu que já sabia. Aladim e Jasmine. Sorriu. Sim, era perfeito.

De braços cruzados Renato observa atentamente a dinâmica entre ele mesmo e Felipe.

Se alguém perguntasse era bem possível que ele negasse, mas estava emocionado.

– Qual você pegou? Não acredito! Onde?

Sim, agora ele também caçava Pokémon. E estava se divertindo. Os dois estavam tomando café da manhã para irem até o parque. Renato ficou surpreso ao perceber que estava ansioso por isso.

Não foi só sobre o jogo que ele descobriu. Seu trabalho agora parecia o de qualquer pessoa humana, com horários que o permitia ter uma vida. E o mais impressionante, ele cogitava ter um cachorro!

Além disso, Felipe passava vários finais de semana com ele e os dois tinham fortalecido ainda mais a amizade entre tio e sobrinho. Estavam planejando uma viagem em breve, assim que Renato tirasse férias no final do ano. Férias, quem diria.

Seguir a si mesmo durante todo o dia estava sendo uma experiência muito mais gratificante do que ele poderia imaginar. Mas, também era triste. Agora, ele também queria brincar no parque e não só assistir, porém não podia.

Assistiu, ficando cada vez mais pensativo, sua nova versão rindo com Felipe, e até mesmo sugerindo que jogassem futebol. Ele nunca tinha feito nada disso antes e isso trazia um sentimento de culpa, de arrependimento.

O dia estava passando rápido demais! Renato queria ficar parado naqueles momentos, queria aprender mais para não cometer os mesmos erros de novo. Será que ainda dava tempo de corrigir tudo?

Aliás, o que aconteceria quando o dia acabasse?

– Oi.

Achando que nada mais o surpreenderia, Renato se viu enganado mais uma vez. Ele demorou para acreditar que a moça de cabelos escuros e ondulados estava falando com ele, mas sim, ela estava!

Tudo ficou ainda mais estranho quando por um erro de cálculo, o chute de Felipe não saiu como deveria e a bola atingiu uma moça que passava.

Ei, espere, é a mesma moça!



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