Capítulo 3

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Ainda sobre criatividade, tenho dois problemas.

O primeiro deles é que, apesar de ser extremamente criativa, sempre tive problemas em expressar minhas verdadeiras emoções no papel.

Posso imaginar um livro completo; começo, meio e fim. Com personagens, suas respectivas aparências e personalidades. Mas nunca consigo transmiti-las fielmente.

Minhas historias nunca são publicadas até o final e, meus desenhos sem referencia são um completo desastre; o que me deixa infinitamente frustrada.

O segundo problema é que, por não ter um convívio social muito amplo, talvez eu acabe imaginando demais as coisas.

Precisa de um exemplo? Ótimo, lhe darei um.

O primeiro menino por quem me apaixonei. 

La pelos meus 10 anos conheci um menino. Ele tinha cabelo castanho cacheado e parecia ser um garoto legal.

Como crianças são ótimas em fazer amizade (pelo menos é o que me disseram), não foi difícil virar amiga dele. Passávamos bastante tempo juntos e eu sempre o ajudava com as lições na sala de aula. Meio ano letivo depois me declarei apaixonada por ele, e foi assim desde então.

Conforme conversávamos e convivíamos eu descobria coisas novas a respeito dele, como por exemplo, que seu pai havia abandonado ele e a irmã aos cuidados da mãe e partido mundo a fora, e como isso acabou o deixando instável.

Alguns dias ele era calmo e gentil, em outros ele ficava volátil e qualquer coisa o deixava extremamente irritado.

Uma vez, ele se irritou com nossa professora e ameaçou jogar uma cadeira nela. Me lembro de que todas as crianças estavam aterrorizadas, menos eu. Conseguia ver a tristeza nos olhos dele, o medo, a saudade do pai. 

Achava que pudesse concertá-lo. Que se ficasse ao lado dele o faria uma pessoa melhor, curaria suas feridas e então poderíamos andar de skate na praça em um dia quente das férias de dezembro.

Isso nunca aconteceu.

O tempo passou e nós crescemos. Ele ficou diferente, eu fiquei diferente. Perdi a conexão que tínhamos e sentia que sem ele eu não conseguiria continuar.

Então imaginei. Criei laços novos. Um mundo onde eu o curava e ele me completava. Comecei a imaginar tudo o que ele falava, e era perfeito. Comecei a imaginar como ele me trava, e era perfeito.

O garoto dos meus sonhos estava ali. Só precisava mantê-lo por perto e ele garantiria a minha salvação assim como eu a dele.

Mas não foi assim. Cada vez que ele falava comigo não era perfeito, era normal. A forma como ele me tratava, me deixava triste e irritada.

Mais tarde, descobri que não gostava daquele garoto que via a minha frente, o menino machucado e deformado pelo tempo e pelas ações do pai. Gostava do skatista, do garoto que sempre  falava o que eu precisava ouvir e sempre me tratava da forma que eu desejava.

Minha criatividade tinha passado dos limites e eu tinha criado uma pessoa na minha própria mente, alguém que não existia.

E como se livrar do amor por alguém que não é real?

Ainda procuro essa resposta.

Estrelas no infinito céu - por Felicity ValentineOnde histórias criam vida. Descubra agora