III

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Mamãe organizou um delicioso café da manhã com todas as coisas que gostamos. Pensa na delícia que está sobre a mesa. Minha geleia favorita, o creme de amendoim que Sam sempre amou comer escondido. Até as guloseimas que minha cunhada  gosta, ela lembrou de colocar e o que falar das gostosuras que minha sobrinha Alice ama.
Nos fartamos como sempre!
Tanto eu, quanto Sam, estamos sem pressa de ir embora. Por mais que mamãe diga que esteja bem, sabemos que ela precisa de nós por aqui.
Não queremos correr risco algum em  deixá-la sozinha e enfim, um susto por vez é até suportável. Não gosto dessa coisa da minha mãe morar sozinha. Antes, tio Phil estava com ela e isso facilitava as coisas, tanto para mim quanto para meu irmão.
Mas agora?!?
Agora, precisaremos encontrar um meio de melhorar essa situação em deixá-la sozinha.
Chris, minha cunhada, levou mamãe para dar uma volta com minha sobrinha Alice.
Sam está no escritório falando com alguém do seu trabalho. Passo pela porta, aceno para ele que vou sair e aproveito para usar o carro do tio Phil.
Mamãe disse que eu poderia usar sem nenhum problema. Ela sabe o quanto sempre amei os carros dele. Preciso ir comprar algumas coisas que vou precisar no mercado. Vim para cá sem pensar muito nas minhas necessidades pessoais, montei uma mala correndo, queria chegar logo e dar atenção a minha família e com isso, deixei de colocar algumas coisas na mala.
Ao ir a caminho da garagem, não resisto e olho para a antiga casa do meu tio.
Claro, não estou à procura de lembranças, mas a procura de um par de olhos que nos últimos dias estão me perturbando.
A casa parece vazia, sem ninguém.
Nem sinal de ter alguém ali dentro. 
Também o que eu queria: Um bom dia princesa! ( risos)
Eu e minhas ideias malucas, o cara parece um fantasma, surge e reaparece feito um vulto,  some do nada e volta a aparecer.
Que horror!!!
Ao menos para mim, é essa ideia que está ficando.
Bom, melhor eu ir, melhor ocupar meu tempo com o que de fato é importante: compras!
Entro no carro, lembrando do meu tio me chamando de formiguinha. Pois dentro dessa máquina, pareço mesmo uma formiguinha. Sei que não sou tão alta assim, aos meus longos 1,65cm bem construídos, mas finjo que isso não é nada demais, apenas um detalhe.  
Essa Silverado High Country do meu tio é linda demais!
A danada tem uma cor vermelha absurda de linda, me lembro do meu tio falando que foi uma série limitada que fizeram. Pensa em um carro enorme mas muito gostoso de dirigir.
Vou aproveitar esse passeio ao máximo.
Ao pegar a estrada, as lembranças do meu tio me ensinando a dirigir me alcançam. Nossa dei um belo trabalho para ele, esse negócio de câmbio manual não entrava na minha cabeça.
"Formiguinha, não se sabe dirigir, se não aprender a sentir o carro e suas necessidades"
"Mas tio, inventaram os carros automáticos para facilitar as coisas"
"Mas isso até bebê de colo dirige, quero ver você encarando qualquer máquina, sem precisar de ajuda. Você tem que ser astuta minha querida, para que ninguém use da sua fragilidade contra você"
E assim,  lá fui eu aprender, além de dirigir, aprendi as necessidades básicas de uma mecânica, de troca de pneus entre outras lições que meu tio achou necessário que eu soubesse.
Ele nunca fez diferença por eu ser menina, sempre me tratou da mesma maneira que tratava meu irmão. Ele só me falava, para que eu nunca me esquecesse de ser feliz, pois o resto, sempre se dava um jeito.
"Tio Phil vai ser complicado sem o senhor por aqui" falo para mim mesma.

Logo chego ao supermercado que sempre frequentei quando criança.
Velhas lembranças não tem como não me visitarem. 
As coisas estão sempre melhorando, mudando para melhor.
Mas ainda assim, as lembranças acontecem.
Sempre que vínhamos com minha mãe, ela sempre nos deixava pegar um pacote de gominha cada um. Era a nossa maior alegria!  Eu e Sam quando chegávamos em casa, a gente sempre separava as gominhas por cores e contávamos quem tinha mais de cada cor. Era uma farra que fazíamos. Mamãe ria muito com nossa competição de gostosuras e depois saíamos comendo as porções de cada cor.
Pego um carrinho e começo a buscar o que preciso. Vou pegando o que me lembro e claro, não resisto e levo uns pacotes de gominhas. Sam irá amar, assim poderemos ensinar minha sobrinha nosso jogo de gominhas.
Gente será que compro um shampoo igual ao que estou usando, ou vou aproveitar e mudar.
Bom na dúvida, vou levar os dois. E quando me viro para ir em direção ao carrinho que deixei um pouco atrás, dou de frente com uma gôndola que não estava ali até minutos atrás. E saio voando juntamente com meus shampoos e cremes, indo com tudo de  bunda no chão!
"Que merda!!!" - grito, tentando me colocar de pé e mal conseguindo, um desastre só.
Diante dos meus olhos surge uma mão enorme, me assusto e saio olhando, procurando saber quem está me oferecendo ajuda. E quando meus olhos encontram os olhos da pessoa a quem aquela mão pertencia, qual a minha surpresa…
Não pode ser!!!
Eis que aqueles mesmos olhos que tanto tem me perturbado, surgem!
Aqueles mesmos olhos  que tanto tem me intrigado, que tanto tem povoado meus pensamentos, que tanto tem me roubado a atenção.
Fico sem saber o que fazer.
Se aceito a ajuda, se não aceito, se aceito, se não aceito e  naquele impasse, a mão surge e me coloca em pé desajeitadamente, sem muito cuidado, sem muito jeito, sem nenhum zelo.
Nossa!
Que coisa!!!
Estou um caos só, me arrumo desajeitadamente, procurando me recompor, tentando encontrar o eixo perdido, para agradecer a pessoa.
Mas quando olho em volta… cadê ele???
Oxi, cadê a gôndola ambulante???
Sumiu!!!
Onde ele foi???
Olho ao redor, saio procurando, olhando em outros corredores e nada!!!
Que pessoa mais esquisita!
Na verdade, eu não bati em gôndola nenhuma, agora que me dou conta que bati foi nele. Porque não há produtos em lugar nenhum espalhado.
Tropecei mesmo foi nele. 
Que armário  é esse que aparece e desaparece assim?!?
Gente do céu!!!
Isso está começando a me intrigar, gente que situação mais esquisita?
Além de ficar me espiando, agora será que está me seguindo???
Bom, percebo que não vou conseguir agradecer a ninguém. Porque o ser escafedeu-se! Sumiu!
Desapareceu!
Pessoa mais estranha, vai, me derruba, depois me coloca de qualquer jeito de pé e some!!!
Afff, melhor deixar para lá.
Porque essa história não me levará a lugar algum.
E assim, resolvo continuar fazendo minhas compras.

Chego na casa da minha mãe com minhas sacolas.
Vejo um carro estacionado na antiga garagem do meu tio Phil.
Penso em bater lá na porta da casa e agradecer, mas acho que seria bem ridículo da minha parte. Imagina a cena, eu batendo na porta de um estranho, e dizendo: "Oi moço, desculpa por ter esbarrado em você, e obrigado por ter me ajudado. Mas olha, da próxima vez, vê se não fica parado assim, tipo, um poste bem no meio do supermercado" e urghhh,  imagina minha cara de idiota,  diante da pessoa. 
Melhor deixar para lá.
Pois já basta a cena lá no supermercado.

Alice é a alegria que enche a casa da mamãe. Suas gargalhadas alcança nossos corações, e agradeço a Deus por nos ter dado essa pequena, pois ela faz com que nossa vida seja mais cheia de risos, de alegria, se tornando muito mais leve. 
Sam preparou a churrasqueira lá do quintal, mamãe fez um arroz e aquele vinagrete maravilhoso.
Chris fez um doce incrível de sobremesa e agora estamos jantando no quintal, a noite está quente e estamos aproveitando bem esse nosso momento em família.
Sam faz uns hambúrgueres incríveis na churrasqueira, claro, aprendeu com nosso tio.
Tio Phil, estaria aqui conosco, aproveitando esse momento que ele sempre amou. Ele pilotava a churrasqueira como poucos. Sam está tentando manter o nível, está até que bom, mas nada se compara a carne que tio Phil assava.
Meu coraçãozinho diminuí um pouquinho, pois ainda iremos sentir e muito a falta dele.
Ouço o ronco de um motor, e percebo que nosso vizinho saiu.
Sinto um alívio estranho, mas é bom não ter que  me preocupar com nenhum olhar perturbador bisbilhotando.
Aproveito para conversar sobre a antiga casa do meu tio com minha mãe.
"Mamãe, você sabe quais eram os planos do tio Phil para a antiga casa?"
Minha mãe bebe um pouco da limonada e diz:
"Você sabe que seu tio era igual a seu pai, ou seja, organizado demais… Então ele já havia deixado tudo arrumado. Como ele não tinha herdeiros, todos os seus bens já estão no seu nome e do Sam"
"Mas mamãe, acho que nem eu ou Sam queremos nada que era do tio Phil"
"Mas essa foi a decisão dele, e vocês não podem se opor… Acho que ele sabia que se fosse falar sobre isso com vocês, sabia que seriam contrários, então, ele deixou tudo como ele mesmo queria"
Eu e Sam nos olhamos, sabendo que o assunto estava encerrado. Se tem uma coisa que mamãe faz como poucos, é um olhar que por Deus, melhor deixar para lá.
Tomo um pouco mais do vinho que estou bebendo.
Sam volta sua atenção para a churrasqueira.
Chris está brincando com Alice e elas parecem estar se divertindo, as gargalhadas da Alice preenchem o silêncio do começo da noite.
Olho para a casa antiga do meu tio, e Sam vem e fica do meu lado.
"Vamos manter as coisas como estão, lá na frente a gente decide o que fazer" me propõe Sam.
"Certo! O que você acha de direcionarmos o aluguel para ela?"  - proponho para Sam, mostrando minha mãe.
"Justo! Ela vai aproveitar bem essa entrada extra"
"Foi o que pensei"
E assim colocamos para mamãe nossa ideia. Claro como sempre ela relutou em aceitar, mas meu irmão a convenceu que assim ela poderia nos visitar com mais frequência e que com isso Alice iria amar ter a vovó a visitando mais vezes.
"Ok, vocês conseguiram... Por hora irei aceitar, mas por hora viu" nos diz mamãe bem arredia, o que nos faz cair na gargalhada.
E assim nossa noite segue tranquila.
Somos uma família que não fica se lamentando, já tivemos que passar por tanta coisa. Claro que sentimos a ausência do nosso tio, mas sabemos que  ele não nos quer tristes.
Tio Phil acabou sofrendo um acidente tolo enquanto estava ajudando um amigo. Eles estavam transportando um tronco de uma árvore que haviam cortado do quintal da casa desse amigo. E não sabemos como, mais o tronco se soltou e acabou atingindo meu tio no banco da frente. Tio Phil acabou sendo prensado entre a árvore e o painel do caminhão do seu amigo e enfim, não resistiu aos ferimentos.
Mamãe nos contou que ele chegou vivo ao hospital, mas a gravidade do acidente era demais. Mamãe falou que ficou o tempo todo ao lado dele, acalmando. Mas como veterano que era, sabia que não havia muito o que se fazer. Cuidaram para que ele tivesse todo o cuidado necessário e ele pediu para que mamãe não nos chamasse, ele não queria nos ver sofrer. Mamãe falou que relutou, mas acabou cedendo. E ela passou os últimos momentos ao lado do nosso tio, relembrando histórias e rindo de muitas delas.
E assim quando nos contou, vimos o quanto a passagem do nosso tio foi tranquila e pudemos descansar na certeza que ele partiu feliz e amado.
Lidamos com as ausências, sentindo a saudade mas através das histórias vividas. Não celebramos a morte, mas a vida que tivemos em comum. Mamãe provocou isso quando nosso pai morreu e a partir daquele dia, passamos a lidar com as ausências de uma maneira mais calma, mais tranquila e de certa forma mais feliz.

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