E eu me sentia excluída e sendo tratada com maus modos pelas cunhadas e cunhados, que entravam e saíam da casa o dia todo.
Um dia, fiz virado de feijão preto com farofa de couve e quibebe de abóbora, além do arroz e da carne assada. Um dos primeiros que chegou para almoçar foi o Lito, irmão do Geraldo. Ele afastou a cadeira da mesa para se sentar e parou. Olhou para a comida na mesa e perguntou, apontando para o quibebe:
"Que é isso?"
Eu, achando que ele iria apreciar, respondi, faceira:
"É quibebe de abóbora! Combina com feijão!"
Ele ergueu um pouco a cadeira e a jogou para a mesa.
"Isso é comida de porco! Não vou comer aqui!" E saiu, enfezado, batendo as botas.
Eu fiquei assustada, estarrecida com a grosseria dele, mas tentei me acalmar enquanto servia o almoço às crianças. Os irmãos e irmãs que vieram depois comeram sem fazer comentários. Ninguém percebeu nada...
Havia noites que eles dormiam em dois ou três no hospital. Levavam coxonilhos (o couro tratado com as lãs dos carneiros), que colocavam no chão e dormiam sobre eles. A apreensão sobre o estado da mãe era quase física, palpável mesmo, pela maneira como todos se comportavam, não escondendo a tristeza que tomava conta de todos e de tudo.
Um dia cedo, eu estava conversando com a Ica, a irmã do Geraldo que morava na casa ao lado, e o Geraldo veio tomar café. Como estava uma linda manhã de sol, lhe pedi para levarmos as crianças para brincar num parquinho perto da estação. Eu precisava sair um pouco, espairecer... e estava sempre reprimindo as crianças. Elas precisavam tomar sol também.
Ele me disse que não podia, que iria levar o Alexandre passear pela cidade, para dar descanso à Iracema. O Alexandre estava encantado com a atenção do cunhado.
"Mas... então podemos ir também! Você nos deixa no parquinho e, no fim do seu passeio, passa nos pegar e nos deixa aqui! As crianças precisam sair um pouco!"
"Não... o Alexandre vai ficar irritado. Vá você com as crianças!"
Olhei para ele, estupefata.
"Como? Como vou andar com os quatro até o parquinho? Nem o Junior vai aguentar!"
Vale esclarecer que o parquinho estava a cerca de um quilômetro de distância, e o Geraldo estava com o nosso carro.
Não consegui entender. O que estava acontecendo?
Ele olhou no relógio, disse que já estava atrasado e saiu, sem me dizer mais nada.
Voltei para dentro da casa e, no quarto, longe das crianças, chorei muito. Além de toda a tristeza que estávamos passando, alguma coisa se quebrou dentro de mim, que doeu bastante...
Tive vontade de ligar para o Deco, irmão do Geraldo, que tinha um carro na praça e lhe pedir que nos levasse ao parquinho. Foi apenas um ímpeto. Refleti o quanto isso iria render em comentários e o quanto o Geraldo ficaria contrariado. Fui para a cozinha ajudar a Arminda... mas a dor continuava...
Não nego... eu estava enciumada por ver o Geraldo tão distante de mim e das crianças. Sentia a falta dele junto de nós. Como das outras vezes que ali estivéramos, me parecia que o Geraldo fazia questão de se mostrar indiferente a mim, especialmente se havia alguém da família assistindo nossa conversa. Com o tempo, em vez dessa impressão diminuir, estava aumentando e eu não estava gostando nada disso.
No dia seguinte, o Geraldo chegou à tarde e pediu café. Gostei porque eu tinha feito um bolo de fubá. Fui fazer o café e chamei as crianças para estarem um pouco com o pai e assim tivemos uns momentos em família. Eu estava feliz, vendo-o agradar os filhos, cada um tentando chamar mais a atenção do pai, disputando-lhe o colo e o agrado.
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Folhas do Outono
Non-FictionMemórias de uma história real que abrange cinco gerações. Walkyria é neta orgulhosa dos personagens mais antigos, que viveram no final dos anos 1800, e é avó da "galera" nascida no final dos 1900. O leitor é levado numa viagem no tempo, com passa...