P.O.V KARA
Eu poderia começar pelo começo, certo? Mas não sei fazer isso... Você sabe como eu gosto de divagar e estou um pouco limitada pela minha transcritora. Vou te apresentar como a minha vida na Terra terminou — e o que aconteceu depois disso.
Me perdoe se eu parecer simplista. Especialmente no começo. Nós duas estamos nos esforçando demais para fazer isso funcionar.
Agradeço a Deus por estar sozinha naquela noite. Você sabe, geralmente Lori me acompanhava ao mercado. Ela gostava de passar o máximo de tempo comigo já que o meu trabalho me sugava ao máximo. Naquela noite ela não foi. Ela iria participar de uma peça na escola e precisava treinar com as amigas.
Fui ao mercado de sempre, você sabe, aquele grande no centro. Lena queria algumas coisas diferentes para o jantar e mercado do bairro não tinha o ingrediente especial da famosa lasanha. Havia trânsito na... rua? Não, mais larga. Av... e-nida? Não exatamente, mas o suficiente. Achei que dava para passar e fui em frente. Tive que parar pois um carro vinha em minha direção. Havia espaço para ele desviar, mas ele não fez isso. Me atingiu em cheio. Comecei a rodopiar.
Eu estava com cinto de segurança. Não teria me ferido tanto, mas logo uma caminhonete apareceu e acertou na traseira do meu carro. Um ônibus, esses de linha, vinha na direção oposta e pronto, bateu de frente com o meu carro. Ouvi o som da batida, os vidros quebrando. Bati a cabeça. Por um segundo eu posso jurar que vi a mim mesmo inconsciente, sangrando.
Pronto, veio a escuridão.
Acordei. A dor era horrível. Eu podia ouvir a minha respiração. Era horrível também. Os meus pés estavam gelados. Isso eu posso me lembrar.
Aos poucos pude sentir as coisas à minha volta. E tinha gente ao meu redor também. Eu estava sed... S-e-d-a-d-a. Sedada. Comecei a ouvir alguém sussurrando, mas não conseguia entender nada. Apesar dos meus olhos estarem fechados, comecei a enxergar uma forma perto de mim. Não sei dizer se era homem ou mulher, mas eu podia sentir que ela falava comigo.
Desapareceu.
Comecei a sentir outra dor. Era minha mente. Eu estava sintonizando, como se fosse uma estação velha de rádio. Mas a dor não era minha. Era a dor de Lena. Ela sentia medo por mim. Eu sentia a sua angústia. Ela sofria tanto, Alex. Tentei dizer seu nome, mas era em vão. Não chore, pensei. Eu estou aqui. Não tenha medo. Eu te amo, Lena.
E, do nada, eu estava em casa. Era sábado. Dia de pizza Você sabe como eu amo pizza, certo? Todos estávamos na sala, conversando e rindo de alguma bobeira que Lori fazia. Lena estava ao meu lado. Sam estava do seu. Lori imitava algum desenho animado e Ruby estava vermelha de tanto rir. Lena estava aninhada em mim. Eu a beijei na bochecha e nós sorrimos. Era uma noite tranquila de sábado com a família toda reunida. Eu estava tão feliz!
Ouvi um som horrível. Era eu! O som vinha da minha garganta. Rezei para que Lena e Lori não estivessem comigo para ouvir aquilo. Pedi a Deus que não as deixassem ouvir aquele barulho. Então veio a minha mente:
— Kara, você está morrendo.
Tentei respirar, mas os fluidos em minha traqueia não deixavam que o ar passasse. Senti como se estivesse escorrendo, sumindo... E eu estava. Aquela forma estava ao meu lado de novo. Eu podia... ver?
— Não tente resistir, Kara — Ela me dizia. Aquelas palavras me irritavam. Ela queria que eu morresse! Eu lutei. Eu lutei com todas as minhas forças, Alex. Eu não seria levada. LENA!, a chamei em pensamento. Me segura! Não me deixe ir!
Eu estava sumindo. Como era possível? Meu corpo está muito feriado, pensei com medo. Senti minha fraqueza. Do nada eu senti cosca. Não, vou soletrar... c-ó-c-e-g-a-s. Era estranho, sim. Mas eu podia sentir por todo o meu corpo.
Eu não estava mais na cama de hospital, eu estava em um... berço? Sim, eu podia senti-lo balançando para frente e para trás. Espera! Não era o berço que estava balançando. Era eu! Meu corpo balançava para frente e para trás. Eu podia ouvir pequenos estalos dentro de mim. Sons que você ouve quando tira lentamente uma bandagem. A dor estava sumindo.
Em segundos, a dor voltou pior do que nunca. Era agonizante, mas me agarrei a ela. Isso significava que eu estava viva. Eu não seria levada pela forma estranha que ainda estava ao meu lado. LENA! — Minha mente gritava, implorava: — me segura!
Não adiantou. Eu conseguia sentir minha vida saindo de mim. Eu podia ouvir os sons de novo, muito mais alto agora.
Não sentia nada. Não sentia os dedos, meus pés. Lutei para recuperar as sensações, mas não consegui. Algo frio passava pelo meu estômago, pelo meu peito e em torno do meu coração. Senti meu coração bater lento. LENA!
A dor tinha quase sumido. Eu não conseguia fazer ela voltar, mesmo tentando. A coisa "fria" se moveu de novo até a minha cabeça. Eu não sentia mais nada. Me ajuda!, implorei. Nenhum som, nada! Minha língua estava paralisada. Senti meu ser retraído dentro da minha cabeça. Membruns eram comprimidos — não, tente de novo. M-e-m-b-r-a-n-a-s. Sim. Puxado para fora e para dentro ao mesmo tempo.
Havia um zunido, algo correndo muito rápido. Parecia um riacho através de um desfiladeiro estreito. Senti que começava a me levantar. Eu era uma bolha? Sim! Eu estava subindo e descendo. Pensei em ter visto um túnel acima de mim. Me virei e pude ver o meu corpo deitado na cama. Estava coberto de ataduras e fios. Estava imóvel! Um cordão fino que brilhava com uma luz prateada se unia ao meu corpo pelo topo da minha cabeça. Então, ele entrou nela. Eu sabia que ele era quem mantinha o meu corpo vivo.
Minhas pernas e braços começaram a torcer. Minha respiração praticamente parou. Havia agonia em meu rosto. De novo, eu lutei para voltar para o meu corpo. LENA, me ajude! Por favor, eu não quero ir! Eu podia ouvir minha mente gritar. Temos que permanecer juntas!
Consegui descer e encarei o meu rosto. Os lábios estavam roxos. Vi as veias do meu pescoço começarem a contrair-se. Os músculos do meu corpo começaram a torcer. Tentei ao máximo voltar para dentro dele. LENA!, pensei. Por favor, me chame de volta para que eu possa ficar com você!
Um milagre aconteceu. Eu pude ver o meu corpo se encher de vida, uma cor saudável se espalhou pela minha pele, um olhar com calma tomou conta do meu rosto. Se eu pudesse, teria ajoelhado para agradecer a Deus. Vocês não precisariam me ver naquele estado. Pensei que estava voltando, sabe? Pensei que ia voltar para casa. Mas não foi assim. Vi meu corpo em um saco de várias cores, fechado pelo cordão prateado. Senti que caía, ouvi um estalo — como se um elástico gigante tivesse arrebentado — e depois senti que estava subindo.
Veio um flashback. Exatamente! Sabe aquela frase clichê ''Toda a minha vida passou diante dos meus olhos''? Alex, é verdade! É tão rápido não dá para acompanhar. Os dias antes do acidente, nascimento de Lori, casamento com Lena, minha carreira como jornalista. Faculdade, meu primeiro beijo, escola, minha infância. Cada segundo! Cada momento, cada pensamento, cada emoção; cada palavra falada e cada palavra escutada. Eu vi tudo! Mas foi tão rápido.
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Amor Além da Vida
RomanceKara é casada com Lena. A felicidade das duas desaparece quando Kara sofre um acidente fatal. No além, Kara se empenha para ajudar seu grande amor. Lena, em desespero pela partida prematura de Kara, pretende dar fim à própria vida. "Não importa a di...