Viagem a praia

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Certa vez a mãe do Gustavo, quando ele tinha 10 anos, contou a ele que inicialmente o plano era que seu nome fosse Roberto mas que no fim ela decidiu colocar Gustavo. A pequena criança que ele era se viu imaginando se Roberto teria sido diferente dele pelo simples fato de ter um nome diferente, talvez por se chamar Roberto ele gostaria mais de Ben 10 do que de mutante rex, talvez se ele fosse Roberto e não Gustavo, ele teria aprendido a andar de patins e não desistido tão rápido, talvez ele tivesse muitos amigos pelo simples fato de ter o nome diferente. Hoje em dia a ideia de quem seria Roberto ainda existe na mente do Gustavo e ela permeia suas piores noites, quando ele encosta a cabeça no travesseiro e todo o peso do mundo cai sobre seu corpo, todas as pressões, preocupações e medos da sua vida encontram um momento onde não tem mais coisas pra se fazer numa tentativa de impedir que elas venham, em um momento de total silêncio onde elas podem andar como uma matilha muito bem unida de lobos famintos na mente dele, consumindo cada migalha de qualquer emoção positiva que lhe sobrou, sufocando ele com sua quantidade quase infinita e mostrando que no fim do dia, independente do quanto ele corra e fuja, encha todo seu tempo de coisas pequenas e grandes na tentativa de não ser consumido por esse vazio que é tudo que sobra assim que os lobos terminam seu banquete, eles ainda vão estar lá, pra lembrar que ele fracassou em fugir.

Nessas noites Gustavo sonha com o homem que ele poderia ser, um homem mais forte, mais feliz, que encontrou sentido pra vida nas mais simples das coisas, alguém extrovertido, alguém mais esbelto, com o cabelo cortado social, usando uma blusa de algodão cheia de botões e uma bermuda jeans. Roberto talvez tivesse arrumado um emprego na área de TI, arrumado um amor e tido uma família, vivido uma vida feliz e satisfatória, uma vida que no final de cada dia quando ele colocasse a cabeça no travesseiro e o silêncio da noite fosse tudo que sobrou, ele pudesse sentir orgulho do que construiu e fez de si mesmo.

Nesse momento Gustavo estava tendo um desses episódios onde ele se perde em devaneios auto depreciativos onde se encontra pensando que o maior problema da vida dele, certamente é ele mesmo, Gustavo pensava no dia que passou, pensa na praia, pensa no fundo do mar.

Ele lembra que acordou como sempre, meio lento e tonto do sono induzido pelos medicamentos, que por sinal fazem muito bem o trabalho que os é suposto fazer, lembra também que nos momentos posteriores ao acordar seguiria todos os rituais matinais que ele repetia dia após dia, se levantaria, tomaria banho, iria escovar os dentes e os cabelos, comeria e sairia, como sempre fez, a única diferença seria que no meio de sua rotina matinal ele colocaria um short preto e uma regata verde, pegaria seus óculos de sol, sua mochila e se encontraria com seus amigos no metrô.

O encontro na estação não foi nada demais também. Deu bom dia ao Douglas, cumprimentou a Ana, sorriu de uma piada imbecil da Vitória e educadamente tentou ignorar a existência das outras pessoas que estavam ali e que iriam pra praia com eles, o que a Ana não gostou, o que era esperado, já que ela fazia de tudo pro Gustavo se enturmar com qualquer um que fosse de seu grupo de amigos.

"Ei Gustavo. Dormiu com eles?" Disse a Ana fazendo o Gustavo sair do seu pequeno mundo e olhar pra ela.

"Que?" Perguntou ele em um ato de extrema sagacidade.

"Eu perguntei se você dormiu com eles. Já que você só falou comigo, com o Douglas e com a vitória." Ela disse, fazendo o rapaz se virar para o grupo de 5 pessoas que estavam ali, os encarar por 5 segundos e voltar a encarar ela, pensando em porque ele deveria se dar o trabalho de falar com pessoas que depois de hoje ele nunca mais iria ter qualquer tipo de contato - talvez os visse na rua durante o caminho para algum lugar e então se sentiria a obrigação moral de falar "oi", seguido de um aceno com a cabeça - que de forma alguma fariam parte da vida dele senão naquele único dia, indivíduos dos quais ele tinha certeza que não ia conversar nem mesmo na praia ou dentro do vagão metrô durante a ida ou a volta, que iriam esquecer de sua existência assim como ele esqueceria da deles ao fim do dia. O metrô chegou na estação enquanto ele ainda estava filosofando sobre a irrelevância do ato de cumprimentar esses desconhecidos, o que o salvou do gasto energético de ter que de fato os cumprimentar.

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