3. Um novo dia após a reclusão

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Essa festa da qual o pai falava era a festa da apresentação dela como moça.

Isso determinava que ela não era mais criança e poderia se casar. O fim de uma etapa da vida e o começo de outra.

Tudo deveria acontecer segundo as tradições, conforme o modo de ser da etnia. Tanto para a proteção da garota, como para a obtenção de bênçãos para toda aldeia.

Mais meninas e moças se juntaram a Urutau e Yrykure'a. Juntas elas seguiram pelo caminho até a roça. Por mais de um ano Yrutau não pode fazer aquele trajeto. Meninas em período de resguardo não podem ir até as roças. Era tabu, trazia a maldição.

Na roça, o milho estava no momento certo de ser colhido para fazer pamonha, curau e bolo de milho verde. Elas sabiam que era isso que suas mães preparavam para a festa da noite. Haveria também peixe e carne de caça, em parte proibidas à ela, no tempo da reclusão.

Urutau estava muito feliz. Ela rodopiava com os braços abertos como que assimilando em seu corpo tudo o que ela perdera em um ano em que não pode sair de seu minúsculo quarto na floresta. O vento soprou novamente derrubando folhas pequenas e coloridas sobre ela.

A garota fechou os olhos e virou o rosto para o alto. queria receber no rosto os raios de sol.

No céu Kwarahy, o Sol, sentiu que saía poder dele. Um poder específico de vida renovação, magia. Ele olhou para a Terra e viu a adolescente. Ela ainda girava de braços abertos, o vento ainda soprava sobre ela. o vento tocava seu rosto e corpo.

Kwarahy sentiu o perfume da menina moça. um cheiro que atraía, prendia. O olhar dele se fixou nela. não conseguia mais se desviar. naquele momento ele se apaixonou por ela.

— Vamos colher guavira? — chamou uma das meninas. — É tempo de guavira, pitanga e cajuzinho silvestre.

— Oba! Adoro! — respondeu Urutau. — Que saudade de comer essas frutas!

As meninas saíram da roça e seguiram pela mata em busca do lugar das frutas. Era uma clareira natural, com vegetação rasteira.

Ali estava toda a sorte de frutas deliciosas que elas amavam. Chuparam guavira, pitanga, cajuzinho. Depois colheram mais e colocaram em seus cestinhos que traziam a tiracolo.

Brincaram, riram e se divertiram.

— Vamos no Rio? — disse Yrykure'a.

— Vamos — todas concordaram.

Quando chegaram lá nadaram brincando na água fria. Depois tomaram banho. Urutau sentiu a água envolvendo-a, tomando seu corpo em um abraço. Após mais de um ano sem poder se deliciar com aquele afeto da natureza, ela se sentia a mais feliz das criaturas.

O Sol, tomado de inveja das águas tocando o corpo da jovem, se entranhou nas pequenas ondas e sentiu a pele macia. Urutau não percebeu. Nenhuma das garotas percebeu. Essas coisas não eram perceptíveis a seres humanos. 

Urutau: a jovem indígena que rejeitou o amor do Sol (História completa)Onde histórias criam vida. Descubra agora