8. Um marido para Urutau

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No meio da noite chegou um homem. Todos os olhares se voltaram para ele porque ele era bastante feio. Desengonçado, desajeitado.

— Chegou — as pessoas disseram. — O futuro marido da Urutau chegou.

E, aparentemente, era ele sim que tinha chegado. O rapaz que os pais tinham acertado para se tornar o marido da jovem.

Com isso a mãe de Urutau foi até ela e disse a ela:

— Vai ver o rapaz que chegou. É ele que se casará com você. Ele foi escolhido pelo conselho e por nós, seus pais.

Urutau olhou bem para ele e falou para si mesma.

— Minha nossa! Mas ele é muito feio!

O homem era muito feio mesmo. Tinha verrugas no nariz, as pernas eram inchadas, os braços tortos. Urutau achou que nunca tinha visto um homem tão feio. Ela tentou compará-lo a algum bicho ou a outra pessoa, mas não conseguia se lembrar de nada tão feio.

No entanto era somente Urutau que o via assim. Só ela. Aos olhos da jovem o homem era deformado, horrível. Mas os outros que se encontravam na festa não o viam assim.

Na verdade, era o Sol que estava ali. O Irmão Mais Velho, o deus criador, doador da vida. O que a garota via nele, as verrugas, o inchaço, as feridas e deformação era porque ele trazia em si a vida. A vida transbordava dele. Sementes de futuras plantas brotavam de seu corpo.

Então Kwarahy se aproximou de Urutau. Daquele jeito que ela o via ele veio.

— Vou me casar com você — ele disse a ela.

— Este é o seu noivo — disse o pai da jovem para ele. — Foi ele que escolhemos para você.

Dessa forma a jovem foi conversar com aquele que ela via como alguém feio. Nossa! Ele é muito feio! Ela pensou novamente.

Foi conversar com ele e disse:

— Você é feio demais! Tem verrugas brotando dos seus olhos! Seu corpo é enrugado e cheio de verrugas como o de um jacaré. As verrugas e rugas nos seus olhos fazem eles parecerem olhos de tartaruga.

Assim ela o destratou muito. Falou coisas terríveis a ele. Xingou ele, o maltratou. Comparou ele a animais. Aos bichos mais feios.

Enquanto isso as horas continuaram passando. O baile estava animado, as pessoas dançavam. O próprio Sol dançou também. Dançou muito. Seus pés deslizavam sobre o chão de terra. Dançou com Urutau e em grupo. Procurou dançar todo o tipo de dança.

Umas três horas depois começou a cair dele o que Urutau pensava ser verrugas. As coisas brotavam, cresciam e caíam.

Todos começaram a ver aquilo. Eram sementes que saíam dele. Dele, do Sol, brotava toda sorte de sementes. Brotava a vida para os seres humanos.

As sementes surgiam em seu corpo, brotavam para fora, eram envoltas em luz e caíam. Ao cair eram como gotas de brilho que se apagavam ao tocar o chão.

Depois Kwarahy se mostrou a Urutau como ele era de verdade. Como o deus Sol. Um rapaz lindo, forte, com o corpo todo pintado. Usava um cocar de penas, colares e pulseiras de sementes. Seu corpo brilhava.

Urutau e os outros começaram a entender e perceber quem ele era. Ele era o Sol que brilhava no céu durante o dia.

Todos ali conheciam as histórias dos irmãos gêmeos criadores. O Sol que dominava o céu durante o dia e trazia o crescimento, a renovação da vida. A Lua que reinava durante a noite e promovia o descanso. Os dois deuses criadores dos Ava, os indígenas das etnias Kaiowá e Guarani.

Urutau ficou deslumbrada com a beleza do jovem. Ficou como que enfeitiçada. Não conseguia parar de contemplá-lo.

Urutau disse:

— Nossa! Que rapaz lindo ele se tornou! Lindo, lindo! Lindo demais!

Urutau foi até onde Kwarahy estava e disse a ele:

— Eu vou me casar com você. Eu me decidi. Quero me casar com você.

Kwarahy, no entanto, foi embora. Aquele que era o Sol no céu durante o dia se mostrou a ela como ele era de verdade e então se foi. Ele não queria mais a jovem.

— Não é mais possível — ele disse. — Você ainda a pouco me desprezava. Não queria saber de mim. Você fica. Eu vou...

E assim ele se foi...  

*** 

Urutau: a jovem indígena que rejeitou o amor do Sol (História completa)Onde histórias criam vida. Descubra agora