Dias atuais
Aquela poderia ser a última vez em que estaria abrindo um envelope daquele tipo.
Tudo dependeria do que estivesse escrito lá dentro.
Os dedos trêmulos de Sueli roçaram o lacre.
— Vai dar tudo certo. — A mão de Alice, sua irmã mais nova, pousou sobre a dela. — Ou melhor: já deu tudo certo.
Sueli puxou o ar.
Uma.
Duas.
Três vezes.
— Estamos aqui com você — a voz de sua prima Josiane soou através do celular, configurado em uma chamada de vídeo. — Estou longe, mas estou com você.
Sueli ergueu o envelope. Era apenas uma folha, tão leve que mal podia ser sentida pelo toque; e, ao mesmo tempo, tão pesada que parecia carregar a densidade do mundo em um único papel.
— Os últimos tratamentos e exames foram promissores demais — Alice falou, cheia de esperança. — Aí dentro estará a confirmação de que você venceu essa luta.
Sim, aquilo era verdade, mas...
Sueli engoliu em seco.
Sua mãe tinha lhe aconselhado a abrir o envelope somente na companhia do médico, para que quaisquer dúvidas pudessem ser tiradas pelo profissional que a acompanhara no último ano.
Mas a consulta aconteceria somente dali dois dias.
E a ansiedade e a incerteza não permitiriam que ela deixasse o lacre inviolado.
— Sueli, vou ter um ataque aqui do outro lado da tela! — Josiane ralhou através da chamada de vídeo. — Se Belo Horizonte não ficasse tão longe de Blumenau, eu já teria me materializado aí do seu lado.
— Certo — ela sussurrou, mais para si mesma do que para a irmã e para a prima. — Vamos lá.
Com um movimento, rompeu o lacre e abriu o envelope.
Podia sentir Alice e Josiane prendendo as respirações.
Ela mesma mal respirava.
Seus olhos correram pelas linhas escritas, pelos números, por cada informação contida naquele papel.
Sueli não soube se ofegou, se arfou, se deixou o fôlego escapar lentamente de seus lábios.
No instante seguinte, estava em pé, atravessando a sala da casa, indo até a filhinha de dois anos, deixando a irmã e a prima com interrogações no rosto. Eloá estava brincando em cima de uma manta, e virou os olhinhos azuis-esverdeados assim que ela se aproximou.
— Mamá.
Sueli esticou os braços, pegando a menina no colo e rumando para fora da casa. Foi recebida pelo sopro do vento, pelo cheiro familiar da plantação que permeava suas memórias de infância.
As cores da manhã cobriam as vinhas que cresciam pelo terreno.
Não era uma grande vinícola, com uma larga produção, terras extensas e um nome famoso, como outras que permeavam a região de Blumenau, mas era suficiente para sua família.
E eu estarei aqui para acompanhar a próxima colheita.
O peito de Sueli se convulsionou; era uma mistura de choro de alegria, alívio, luta vencida.
Tantos exames, tantas consultas, tantos especialistas, tantos tratamentos, tanto medo, tanta esperança...
E agora...
Estava finalmente curada da doença que quase tomara sua vida.
Aquela doença que ela não gostava de dizer o nome.
Um nome que, a partir daquele dia, ela só queria ver quando abrisse a página do horóscopo.
As mãozinhas pequenas de Eloá tocaram seu rosto, como se ela quisesse limpar as lágrimas que escorriam.
— Mamá.
— São lágrimas de felicidade, meu amor — Sueli sussurrou, beijando os cabelos da filha. — A mamãe está muito, muito feliz. Porque agora vamos ter todo o tempo do mundo. Vou poder te ver crescer. Vou poder estar ao seu lado em todos os momentos da sua vida.
Deixando que choro irrompesse livremente, Sueli apertou a filha contra o peito. O cheiro da terra e das uvas parecia ter adquirido um novo aroma, uma nova fragrância; mais intensa, mais especial, mais viva.
Sentiu as mãos de sua irmã Alice tocarem seus ombros, entrando no abraço; e ali elas três ficaram, em um tempo que Sueli não conseguiu dimensionar.
Um tempo que agora era seu outra vez.
Secando as lágrimas, com um milhão de pensamentos enchendo seu peito, Sueli fitou a irmã.
— Você pode cuidar da Eloá para mim?
— Posso sim, mas por quê? Você vai sair? — Alice segurou os cabelos escuros que o vento fustigava. — Pensei que comemoraríamos o resultado do exame.
— Tenho que ir a um lugar agora mesmo. Não posso mais adiar.
— O que você vai fazer?
Com a filha no colo, Sueli deixou que seu olhar corresse pelas vinhas que se ramificavam na pequena terra de sua família.
— Cumprir a promessa que fiz para mim mesma caso o resultado do exame me desse uma nova chance para viver.
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Melodia de Aromas (Série Bodini) | DEGUSTAÇÃO
Romance*ESSE É O PRIMEIRO (1º) LIVRO DA SÉRIE BODINI, NÃO É NECESSÁRIO LER OS ANTERIORES PARA ENTENDER ESSA HISTÓRIA, MAS PODERÁ CONTER SPOILERS DOS LIVROS ANTECEDENTES* (Disponível completo e revisado na Amazon) Ao receber a notícia de que está finalmente...