Há dias Petra acabara de completar seus dezoito anos. Nos seus livros, todas as personagens retratadas com essa idade tinham vidas totalmente diferentes da dela; essas personagens tinham pessoas com quem namorar, amizades, preocupações sobre dinheiro, trabalho e faculdade. Essas personagens... elas tinham vidas que Petra sempre desejou ter, no entanto, teve todas as chances negadas ao nascer sereia, filha de Thomas, aparentemente o homem mais preocupado e super protetor do mundo todo. No começo da adolescência, isso costumava incomodá-la mais, porém, depois de tanto tempo, a sereia já começava a aceitar. A sensação que tinha era de que já estava tarde de mais. Havia perdido sua vida. O que faria entre as pessoas normais? Nunca pisou em uma escola. Nunca falou com nenhum ser vivo além de seu pai e as criaturas marinhas que ousavam se comunicar com ela.
— Eu não acredito! Que inferno... como assim? Caramba... — a jovem resmungava, praguejando enquanto deixava escapar alguns grunhidos de descontentamento. O motivo? Nada mais nada menos do que um livrinho denominado "Quem é você, Alaska?", de autoria de John Green.
O pai de Petra desceu as escadas do barco correndo, preocupado que a filha houvesse se machucado cozinhando ou algo do tipo — por vezes, e com isso entende-se todas as vezes, ele esquecia que sua prole era uma sereia dotada de dons de auto-restauração, conservação e longevidade; para piorar, ele também esquecia que ela era uma garota de dezoito anos cujos melhores amigos eram livros, os quais lhe arrancavam MUITAS reações extremamente exageradas.
— Caramba, Petra! Quase mata seu velho de susto — reclamou, soltando um suspiro ao ver a cabeleira castanha escondendo a face que se afundava entre as páginas do livro em meio a um grunhido estridente e longo.
— Ela se matou, papai! Alaska. É um absurdo. É o que suspeitam. Eu duvido que ela faria isso. Estava bêbada, ninguém a impediu. — Falava, desabafando sobre a leitura como se seu pai pudesse entender do que se tratava por meio daqueles breves comentários irritadiços e desconexos, sem nem mesmo saber quem era a tal da Alaska.
Thomas estava prestes a retrucar com perguntas sobre o livro quando foi interrompido pelo erguer da cabeça da sereia, cujas pupilas se encolheram ao mesmo tempo em que os olhos reluziam, transparecendo seu foco em algo que estava além da compreensão dele.
— O que foi? — Questionou o mais velho, erguendo uma de suas sobrancelhas.
— Estão vindo. — A jovem disse de forma curta e clara, engolindo em seco após tais palavras. Com o colar de proteção da mãe ao redor de seu pescoço, tratou de deslizar o polegar pelas três conchas centrais ao segurar o choro e respirar fundo, buscando se concentrar. Com o passar do tempo e o aumento de sua maturidade, o pai lhe contou a verdade sobre Yelena, sua mãe, e, agora, ela sentia a presença dos abutres que a haviam assassinado. Foram anos de pesquisa e viagens, buscando coletar informações nas sombras, sem nunca ter contato com nenhuma pessoa. — Eles foram mais rápidos, papai. Não conseguimos nos prepararmos para encontra-los antes. Eles... eles querem a mim agora.
O pescador sentia o medo tomar conta de si. Já havia perdido a mulher que amava para aqueles caçadores de seres mitológicos... ele sabia que não podia perder também sua filha, seu bem mais precioso, sua fonte de vida e alegria. Seu coração não suportaria a dor de saber que falhou com Petra assim como falhou com sua amada, não protegendo-a como deveria.
Antes que mais palavras fossem trocadas, Petra havia se colocado de pé e, tampouco havia se erguido, já caminhava pelo pequeno espaço aberto que constituía diversos cômodos compartilhados na parte inferior do barco, e buscava, nos armários, armas que haviam preparado para qualquer tipo de ameaça ou invasão, desde facas de peixe — as famosas peixeiras adquiridas por Thomas em uma viagem à Natal, no Nordeste brasileiro — até lanças de pesca com grandes anzóis afiados nas pontas; era até irônico que uma sereia fizesse uso de instrumentos criados para matar e esquartejar seus semelhantes — instrumentos que, é válido dizer, seu pai deixou de usar quando se apaixonou por Yelena, tornando-se um mero viajante comerciante de artesanato e abandonando sua profissão de pescador — mas, naquela situação, nem conseguia pensar nisso.
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A Sereia
FantasyPetra nasceu diferente. Ela sempre soube que não era como as outras pessoas... seu pai sempre fez questão de deixar isso bem claro, escondendo-a de todos e fazendo com que temesse cada um que não fosse ele mesmo. Ela não foi ensinada a lidar com o m...