Antes de ir.

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Na tarde seguinte Rubi tentava arrumar a cama, o lençol brincava com a sua cara se soltando cada vez que ajeitava o lado oposto, trancada no quarto, deixando a música alta invadir seus pensamentos, fazendo de tudo para não focar que aquele era o seu último dia. Seu corpo estava mais cansado no que o dia anterior, as costas doíam, mas não sabia distinguir se era por causa da pequena luta com o ceifador ou se era por conta das garras afiadas que fincaram em sua pele, o mesmo valia pra dor de cabeça que sentia.

Distraída, enquanto cantava no ritmo da música nem percebera o ceifador encostado no batente da porta, ele tentava segurava o riso enquanto via ela brigar com o lençol.

— Quer ajuda? 

Ela revirou os olhos, mas concordou.

— Ansioso demais com o seu trabalho?

— Por mim eu teria te levado a cinco dias atrás. — terminou de encaixar o lençol e se jogou na cama de forma dramática.

— Não desarruma. — o empurro com o pé. — Ela sabe que você ta aqui ou...

— Ela sabe, falou que eu podia subir e cá estou. — se ajeitou na cama sem se importar com o olhar de desaprovação. — Ontem eu pensei que ela iria querer passar um tempo com você, sabe filha machucada, dopada de remédio, mas... foi diferente.

Rubi suspirou cansada, tentando não pensar nas palavras do ceifador. Ela se jogou ao seu lado repousando as mãos na barriga, encarando o teto.

— É muito egoísmo eu pensar assim?

— Assim como?

— Ela trabalha de mais, só tem nós duas sabe? Eu só queria um pouco mais de tempo juntas, mas parece que ela sempre foge de mim, talvez ela queira um tempo sozinha, eu não quero soar egoísta...

— Você não é egoísta Rubi. 

— Então eu sou oque? Porque ela sempre age assim? Finge que tá tudo bem ou parece fingir se importar? 

— Você não devia pensar nisso... 

— Como não pensar? Daqui à meia hora ela vai embora de novo e depois disso quem vai embora sou eu. — sentou na cama abraçando os joelhos — "Desculpa Rubi, queria passar a noite vendo filmes com você, mas me botaram em mais uma escala, eu espero que se divirta hoje" foi o que ela me disse antes de você aparecer. — apertou mais o corpo — Porque parece que ela sabe? Porque eu sinto meu peito doer? 

Rubi ficou encarando a entrada da porta, na esperança de algo diferente acontecer, mas tudo que ouviu fora um "até mais tarde crianças" e logo em seguida o barulho da porta se fechar. Ela suspirou cansada, levantando-se em direção ao armário.

— Pode me dar licença? — falou triste. — Por que eu pensei que seria diferente? 

O telefone vibrou com uma mensagem:

"Amanhã eu vou estar livre, vamos passar o dia comendo besteiras e vendo filmes."

— Vou adorar... — disse amarga encarando a tela.

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Não demorou se arrumando, na verdade já tinha deixado tudo preparado no dia anterior. Sentada de frete para o espelho tentando se maquiar, quase jogando o delineador contra o vidro cada vez que borrava, ainda estava com o rosto triste, não conseguia parar de pensar em tudo, mas não adiantava mais chorar pelo leite derramado.

 Estava se sentindo bonita, quase uma Cinderela daqueles filmes dos anos 2000,  vestia um vestido curto preto de veludo e por de baixo uma blusa com mangas bufantes e uma gola cheia de babados, nas pernas usava uma meia calça arrastão velha, um pouco rasgada, calçava um tênis cano médio, tão antigo que mal dava pra perceber que a cor era preta. A cor de seus cabelos acabava por se destacar com a roupa.

— Se arrumou toda para mim? — zombou. — Não precisa ficar tão bonita pra eu te levar embora.

— Quer que eu mande você ir se foder agora ou depois? — pegou a bolça e o casaco amarelo jogados na cadeira. — Vai me seguir hoje?

— Quase isso. — falava ajeitando a roupa em frente ao espelho. — Vamos?

Ela assentiu, o ceifador saiu na frente enquanto Rubi se despedia em silêncio da casa, implorando em sua mente pra sua mãe não se esquecer dela, para que ela não seja apagada.

Pacto CarmesimOnde histórias criam vida. Descubra agora