Capítulo Nono

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Anaya

A noite passa como um borrão, repleta de curtos momentos de sono rasgados por confusos e assustadores sonhos. Quando a manhã chega, o medo é um companheiro constante. Tento bloquear os pensamentos negativos, mas é praticamente impossível. Preciso vê-lo o mais rápido possível para que esta angústia cesse.

Como prometido, assim que o sol nasce, uma carruagem está a espera para levar a mim e Fabiana - minha acompanhante - até o Rio de Janeiro. À cavalo seria muito mais rápido, mas papai nunca permitiria. A única maneira é tentar distrair meus pensamentos durante a longa viagem e torcer para que não haja nenhum imprevisto pelo caminho.

- Filha, cuide-se, por favor. Não faça nada precipitado e tente manter a calma. - Mamá me abraça pela terceira vez com sua preocupação de sempre. - Tem certeza que não quer que eu vá junto?

- Tenho, mamá. Vou ficar bem.

Vejo pela sua expressão que ela permanece relutante, mas não fala mais nada. Creio que papá fez um ótimo trabalho para convencê-la.

A estrada até a corte é tortuosa e cheia de elevações, tornando o trajeto ainda mais demorado.

Como distração, me apego às poucas lembranças de Bernard, aos poucos momentos que tivemos juntos. Chega a ser engraçado o quão rápido minha vida se transformou nos últimos dias. Há uma semana atrás a simples ideia de apaixonar-me, ainda mais tão rapidamente, me faria rir. Minhas únicas preocupações eram a minha família e a luta pelo meu povo.

E então, de uma hora para outra, tudo mudou. Um homem branco, inglês e rico aparece de repente para mudar minhas convicções. É quase uma ironia do destino.

Papá, com seu jeito sonhador e otimista de ver o mundo, diria que sua história com mamá está se repetindo comigo e que mereço ser tão feliz quanto eles.

No fundo, desejo que isso aconteça. Que o final da minha história seja tão feliz quanto a deles.

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A agitação das pessoas e o crepitar das rodas sobre a rua pavimentada me alerta da nossa chegada à corte. Não é a minha primeira vez na cidade, mas, embora não me lembre muito bem dos detalhes, não tenho curiosidade de olhar pela janela e observar tudo. A ansiedade e a preocupação não deixam. Só quero chegar logo.

Com a ajuda de papai e alguns de seus contatos, conseguimos descobrir onde Bernard está e tudo que mais quero é ir até ele.

- Vamos encontrá-lo bem. - O comentário baixo de Fabiana me tira do meu transe. É, praticamente, a única coisa que ela me disse durante a viagem. Creio que não quis ser invasiva.

Ela é uma ótima pessoa. Está em nossa casa desde que papá deu alforria a sua mãe e a considero uma amiga de verdade, uma confidente.

- Deus queira que esteja certa.

Após encontrar uma estalagem para mim e Fabiana, onde nos trocamos - ela insistiu que seria melhor se eu aparecesse mais apresentável diante da família de Bernard -, seguimos para o maior hospital da cidade.

O lugar era bastante amplo, mas conseguimos descobrir com certa facilidade onde Bernard está. A certeza de que ele está vivo alivia um pouco minha agonia, porém só estarei tranquila quando o vir em minha frente.

Minha ansiedade aumentava a cada passo dado pelos grandes corredores. Rezava internamente que não precisasse encontrar ninguém da família de Bernard antes de chegar até ele. Não creio que gostariam de me ver aqui. Muito pelo contrário.

No entanto, minhas preces não são atendidas. Na sala que antecede os leitos dos enfermos, vejo a mãe de Bernard próxima à janela. Sua postura permanece austera, porém percebo a leve curvatura de seus ombros e o semblante levemente preocupado. Isso aumenta minha angústia e me pergunto qual o estado de Bernard. Mais do que nunca, preciso vê-lo.

Da porta da sala, me vejo diante de um dilema: ir até ela ou entrar discretamente na área dos leitos? A segunda opção me parece muito mais atraente, mas se algum outro membro da família estiver lá dentro a situação pode piorar.

Não há tempo para maiores ponderações: o olhar gélido da Srª James se dirige a mim e sinto um calafrio na espinha com a sua expressão de desaprovação. Na verdade, parece até mais que isso. Parece raiva.

Ela anda até mim em passos largos e tenho que fazer um esforço consciente para não recuar.

- O que você está fazendo aqui?! - Seu tom é tão duro quanto seu olhar.

- Quero saber como ele está. - Não há necessidade de amabilidade ou mentiras. Minha sinceridade é a única arma que tenho e torço internamente para que funcione.

- Como ousa? Não se envergonha de aparecer aqui uma semana depois como se fosse completamente aceitável?

- Eu fiquei sabendo à pouco e...

Sua risada amarga me interrompe, mas não há um traço de humor em seu rosto.

- Preciso ver como ele está.

- Isso é um disparate! Você não se aproximará do meu filho.

- Eu só quero...

- Basta! - Seu tom se altera, mas ela logo se recupera de seu descontrole. - Retire-se daqui antes que eu mande alguém expulsá-la a pontapés.

- Eu não sairei daqui sem vê-lo. - Digo firme, encarando seu olhar frio.

Não vou recuar agora. Já enfrentei muitos aristocratas para defender o que acredito e não será essa madame mimada que me intimidará. Eu não enfrentei toda a viagem até aqui em vão, não importa o que ela diga ou faça.

- Sua negrinha petulante - desprezo escorre em suas palavras, mas não recuo - eu vou...

- O que está acontecendo aqui? - o duque de Halfeld surge por entre as portas duplas com um olhar de desaprovação.

- Essa mocinha atrevida quer ver o nosso filho!

- Eu só preciso ver como ele está.

- Como ele está?! - Todo o seu autocontrole desaparece conforme seu tom vai aumentando. - Ele está à beira da morte!

O ar escapa de mim sem permissão enquanto o Sr. James tenta, em vão, controlar sua esposa.

- O meu filho está desacordado em um leito deste hospital, - ela prossegue cada vez mais alterada, alheia à minha angústia - e a culpa é totalmente sua. Uma rameira que pensou que se casaria com alguém como o meu filho! Sua interesseira!

- Elizabeth, já chega. - O tom do Sr. James é inflexível. Ele dirige seu olhar gélido a mim. - Srtª Guimarães, eu peço que se retire imediatamente e não importune mais a minha família.

Antes que eu possa protestar eles saem andando em direção à sala de leitos. O medo e o ultraje se confundem dentro de mim.

Ele está à beira da morte.

As palavras da Srª James ecoam em minha cabeça como mau presságio. Permaneço petrificada vendo-os se afastar, completamente sem reação.

- Anaya. - O toque delicado de Fabiana me traz de volta. Nem me lemvrava mais de sua presença.

- Ele está mal... Está morrendo...

- Talvez não seja tão grave. Ela... Ela pode estar exagerando. - Nem ela acredita nessas palavras, mas fico grata pela tentativa.

- Tenho de ir lá. - Seu aperto no meu braço se intensifica.

- Anaya, não. É melhor tentarmos outra hora.

- Mas...

- Eles não vão permitir que entre. É melhor evitar um escândalo maior. - Ela percebe minha relutância. Não quero me afastar dele, estando tão perto. Ainda mais agora que sei que é grave. - Vamos encontrar uma maneira de você chegar até ele.

Mesmo que tudo em mim queira ficar ali, sei que ela está certa. Então a sigo de volta pelos corredores, pedindo com todas as minhas forças que não seja tarde demais quando eu voltar.

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Além do que os olhos podem ver - Concluída.Onde histórias criam vida. Descubra agora