Squish [Capítulo Único]

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Uberlândia, 20 de fevereiro de 2022


Querido Ícaro,

Nós tínhamos quinze anos quando aconteceu. Parecia que todo mundo ao redor estava sentindo coisas que eu não estava sentindo. Foi quando você apareceu, transferido no meio do primeiro ano de uma escola de Ribeirão para cá, a fim de que sua vó não vivesse sozinha com Alzheimer após a morte de seu avô. Quando te vi pela primeira vez, senti uma euforia, uma vontade de me aproximar de você, de ser sua amiga. Você retribuiu o olhar e, por algum motivo, achou uma boa ideia se sentar ao meu lado. Você era bonito. Seus lábios me saltavam a atenção, eu sentia que queria fazer algo com eles, talvez. Eu nunca havia sentido isso por um menino. Logo, nos aproximamos, ambes coincidentemente apaixonades por RPG, dragões e mundos fantásticos. Talvez, não tão coincidentemente assim, já que a minha blusa com olhos de um dragão banguela que soltava raios dizia por si só.

Jogávamos Perfect World, enquanto eu reclamava o quanto era PayToWin e você admirava as roupas caras que não podia comprar. Traçávamos teorias das séries de Merlin e de GoT, maratonando a última, algumas noites, com Rafa, Lueji e João, enquanto geral se enganava que começaria os livros em algum momento - menos Rafa que já havia lido tudo -, mas estávamos secretamente morrendo de preguiça pela quantidade e tamanho. Tentávamos estudar e fazer duplas de trabalho algumas vezes, porém não costumava dar muito certo porque ficávamos a maior parte do tempo conversando sobre outra coisa, como na vez em que, ao invés de fazermos o trabalho de Biologia, refletimos por duas horas se e-books eram mesmo mais sustentáveis que livros físicos - no fim, não chegando em conclusão nenhuma, e me rendendo uma bela recuperação na matéria, mas não me arrependo de nada.

Outro dia fomos andar de patins, em teoria também com Lueji e Bruna, que suspeitamente cancelaram de última hora. Foi quando aconteceu: nosso primeiro beijo. Meu coração disparou com o quanto aquilo tinha sido bom. Eu queria mais. Você não parecia sedento como eu, mas me disse que também tinha gostado muito, que tinha vontade de fazer aquilo mais vezes, que também tinha sido sua primeira vez. E rimos porque era estranho que fosse tão divertido trocar saliva com alguém. Foi quando pensei que finalmente estava sentindo tudo aquilo que as pessoas ao meu redor sentiam, que finalmente estava acontecendo para mim.

Nós começamos a andar de mão dadas, parecia o certo a se fazer. Logo, mesmo não dando rótulos nós mesmes, as pessoas começaram a nos ver como namorades e nós acreditamos. 

Começamos a fazer coisas de casal, como sair mais apenas nós ao invés de com o nosso grupo de amigues inteiro, porque disseram que estava tudo bem, que lhes deixava felizes nos vermos junto. Tentávamos economizar dinheiro que não tínhamos para ir ao cinema mais vezes e dar presentes para comemorar não sei quanto tempo de namoro.

Também tentamos outras coisas, como transar, contudo você não conseguia, o que estava tudo bem. Você me disse que nunca teve vontade, que lhe parecia... como algo alienígena e difícil de compreender. Você me disse que achava que eu era a pessoa certa, de verdade - sempre achei estranho, como se isso fosse algum tipo de cura -, mas que não dava mesmo assim. Me doía o quanto aquilo te frustrava intensamente. Nós só tínhamos quinze anos. Achei que você fosse um late bloomer, como por muito tempo pensei que eu também fosse. Mesmo assim, todo mundo assumiu que nós transávamos. Quando você me contou da vez que sua vó te deu camisinhas e o quão envergonhado você ficou, eu ri demais.

No começo, apesar das incertezas, foi tão tão divertido. Nós zuávamos de tudo. Ríamos dos plots clichês de filmes de romance que íamos assistir, dos presentes trocados nos quais ficava claro o quanto nos conhecíamos mutuamente, por acharmos ser esse o tipo de coisa que casais faziam. Gargalhávamos do quanto as pessoas nos shippavam e falavam o quão perfeites éramos entre si, por acharmos ser esse o tipo de coisa que pessoas diziam, quando outras estavam claramente apaixonadas.

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