1. Afraid

512 31 6
                                        




"When I wake up, I'm afraid

Somebody else might take my place

When I wake up, I'm afraid

Somebody else might end up being me

Keep on dreaming, don't stop breathing, fight those demons

Sell your soul, not your whole self"

- Afraid, The Neighbourhood


A história de Maya Bishop estava repleta de vilões, de Lane Bishop a todos os homens que a diminuíram como bombeira, mas havia apenas um capaz de arruinar seu casamento e sua carreira ao mesmo tempo - ela mesma. Por mais que tentasse, Maya não conseguia esquecer a sentença de dois segundos que mudou sua vida - ser rebaixada para Sargento enquanto suas decisões como Capitã eram investigadas. Foi preciso reunir toda a força que tinha em si para voltar para o casamento, porém, tudo ficou mais fácil quando sentiu a mão de Carina na sua, seus olhos castanhos buscando um sinal mínimo de que a bombeira estava bem.



O amor estava no silêncio dos primeiros dias de casadas, no quanto Carina respeitava as barreiras de Maya ao não insistir em conversar sobre o rebaixamento. Planos, que a bombeira nem tinha feito, haviam sido contrariados pelo destino. No intervalo entre um beijo e outro, Maya observava os detalhes de Carina e imaginava como seria se tivessem se conhecido antes de tudo - se o rosto de Carina fosse o primeiro depois da linha de chegada de suas corridas. Talvez não seria tão quebrada.


As manhãs de Maya não eram mais tão solitárias, as duas conseguiram encontrar o equilíbrio entre os shakes de proteínas e as rabanadas. O café era preparado em sintonia, sem nenhum esbarrão entre os movimentos, não podendo dizer o mesmo sobre beijos. Esse momento do dia, antes desconhecido pelas duas, se transformou em rotina, não importa a hora do plantão. Era exatamente o que Maya precisava antes de começar seus turnos na Estação.


O barulho das sirenes não era alto o suficiente para silenciar os pensamentos que gritavam na mente de Maya - seu casamento fora arruinado, sua carreira destruída. Havia prometido para Andrew que seria tudo e muito mais para sua irmã, porém, por mais que tentasse, seus sorrisos se perdiam em sua tristeza. Sua vida estava fora dos trilhos e temia que Carina fosse dano colateral, algo inevitável em um acidente tão grandioso.


A ex-capitã, prefixo que ainda doía em cada pedaço de seu corpo, sempre teve seus objetivos claros e alinhados - vencer a competição nacional de atletismo, ser convocada para as Olímpiadas, ganhar uma medalha de ouro. E, assim, o fez. Ao contrário do que seu pai acreditava, essa não era a sua última linha de chegada. Coragem: foi o que Maya precisou para admitir a si mesma que sonhava em ser bombeira - para isso, precisava sair das asas sufocantes de Lane, abandonar sua carreira que ele tanto valorizava. Esse foi o seu primeiro passo para a liberdade.


Suas amarras do passado, entretanto, nunca a deixaram apenas ser, junto dela sempre caminhavam expectativas e metas praticamente inalcançáveis. Entrar para a academia, sair com destaque, ser promovida a Sargenta, se tornar a primeira capitã de Seattle e, logo em seguida, Chefe de Batalhões. Tudo antes de completar 35 anos, é claro. Maya não acreditava nessa possibilidade por se sentir superior aos seus concorrentes e, sim, por ter sido treinada pelo seu pai - que a ensinou a abdicar de tudo que não estivesse relacionado à sua meta para, assim, alcançá-la.


Mas, agora, tinha Carina, sua leve, iluminada italiana, que a fazia esquecer, mesmo que por apenas um segundo, todo o peso que carregava com si. Eram elas contra o mundo - mundo esse em que Maya não era mais capitã, mundo esse em que estava subordinada a mais um homem medíocre qualquer. Era inevitável para a bombeira não se deixar levar por seus pensamentos intrusivos, por mais que tentasse focar na constelação de pintas nas costas de sua esposa, sua mente a lembrava de tudo que ainda não tinha. E, em noites como essa, estava cada vez mais certa que não era a mulher certa para Carina, sua incrível, adorável e encantadora Carina.


Sem resquício de dúvida, prometeu a si mesma que conquistaria o que sempre planejou por Carina - para se livrar de seus demônios que a convenciam de que não era o suficiente. Para isso, precisaria resgatar aquela pequena Maya, que, presa entre quatro paredes, ousou sonhar em correr em direção ao fogo e, não, para o abraço forte demais de seu pai na linha de chegada.


******


"Yeah she steals like a thief but she's always a woman to me
Oh, she takes care of herself, she can wait if she wants
She's ahead of her time
Oh, and she never gives out and she never gives in
She just changes her mind"

- She's Always a Woman, Billy Joel


Desde muito pequena, Carina DeLuca se mostrou forte perante as adversidades que lhe foram impostas. Terminava seus dias em pé, não importando quantas horas de plantão. As palavras que saíam da boca de Andy no dia de seu casamento não a paralisaram, pelo contrário, apenas confirmavam a maldição de sua família - todo casamento estava fadado ao fracasso. 


A mulher pela qual se apaixonou era determinada, capaz de conquistar uma medalha olímpica com uma torção no tornozelo. Por isso, Carina, mesmo que sem intenção, se colocou em segundo plano, estaria ali para segurar a mão de Maya e a aplaudiria como sempre, pois ela ainda era sua capitã. E, aos poucos, foi-se acostumando com a crescente presença da Estação 19 em sua rotina - as festas temáticas organizadas por Victoria e Travis, as novas expressões em espanhol que aprendera com Andy e Theo. Não precisou de muito tempo para que percebesse que os muros em volta de Maya eram cada vez maiores.


A italiana poderia explicar cientificamente o motivo por trás do mecanismo de fuga de Maya Bishop, até porque lidava com os seus problemas da mesma forma - por meio do sexo. Mesmo assim, a cada beijo forte, Carina era pega de surpresa e logo entregava todos os seus segredos nas mãos da loira. Por um momento, sentia-se pronta para deixar tudo ali, tudo que a deixava acordada à noite, mas não era a sua carreira que estava em risco, eram apenas conversas que poderiam ser tidas outro dia. Antes que o pensamento a fizesse refém, encontrava-se nessa posição em relação à Maya e sua cabeça era preenchida pela vontade de estar presente, sentindo o toque de sua esposa em cada célula do seu corpo.

Os dias se transformaram em semanas e, apesar do casamento arruinado no quarto ao lado, Carina estava feliz. O tempo chuvoso em Seattle não era mais responsável pela sua vontade de continuar na cama, era a respiração de Maya em sua nuca e os pequenos roncos que a bombeira insistia em negar que existiam. Tudo estava nos detalhes, nas entrelinhas. Na pequena rotina que tinham pela manhã, na saudade que sentia ao longo do dia e nas horas que falava sobre Maya nos corredores do hospital. Seus dias eram assim e, se pudesse mudar alguma coisa, seria o olhar perdido de Maya ao observar a Estação 19. Foi, então, que Carina se prometeu - navegaria mares, enfrentaria tempestades, até mesmo dragões, para que Maya tivesse o mundo em suas mãos. A italiana já tinha tudo o que queria, a bombeira em seus braços enquanto dormia.

INCANTEVOLE | MARINAOnde histórias criam vida. Descubra agora