prólogo

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Os adultos dizem que tentam ajudar mas as crianças nunca falam, eles só não contam que quando seu filho foi dizer, com lágrimas nos olhos que se sentia estranhamente triste, ele o mandou ir estudar, dizendo que ele não fazia nada além de estudar e que não tinha o que lhe deixar triste.
É a triste realidade, mas pais, quem deixam seus filhos tristes, são vocês mesmos, e vocês não enxergam nada além do próprio umbigo e o "grande futuro" que seus filhos têm que ter através de lágrimas e pedidos silenciosos de socorro.

Não ouvi meu próprio pedido de socorro, na verdade, escolhi desistir de mim assim que me joguei em cima dos livros, deixando os quadros e tintas para trás, nunca iria me perdoar por me atirar no maldito penhasco de infelicidade.

– Você ouviu? O chefe chamou a gente! Finalmente teremos o nosso reconhecimento — A loira disse orgulhosa, me tirando do meus pensamentos imundados de... De algo que não gosto.

"finalmente teremos nossa reconhecimento", essa frase é tão engraçada quanto uma piada de humor negro, é amarga, é infeliz, algo que me persegue em meus pesadelos.

–Keisuke! —Levantei na hora, nunca era bom ouvir me chamarem pelo sobrenome, ainda mais essa voz, ainda mais o chefe — Na minha sala agora.

Precisei de alguns segundos para recolher a papelada do meu trabalho atual, isso se tivesse algo que ele quisesse saber ali, coisa que duvido muito.

Ser bem sucedido, ser a filho que vai salvar o nome da família, ser isso nunca foi escolha minha, viver não foi escolha minha.

– A empresa reclamou, você foi grosso com eles, de novo! — Meu corpo deu um sobre salto sozinho em resposta do susto pelo porta-retrato arremessado em minha direção, felizmente acertou a parede do meu lado. — Você é o melhor daqui, mas não acha que seu bom trabalho permite você discordar com nosso cliente.

– Senhor, um prédio em uma área residêncial antiga não é algo que eu concorde, não irei sair tentando comprar casas que um dia foi história para alguém por... Por pura luxúria de alguém que pode comprar um terreno maior e em um local sem moradores para serem expulsos de suas casas. — Ele arremessou, dessa vez, um vaso de porcelana  azul com listras brancas, um dos cacos cortou meu braço.

Foram mais de uma hora ouvindo ele me xingar, me diminuir, e a única coisa que se passava em minha mente era: "Você precisa ser alguém na vida, acha que pintar vai te trazer dinheiro!"

Nunca quis tanto ser pobre e feliz.
Mas não é ao todo tão ruim ser triste em um apartamento aconchegante.

Tentei levar ao longo da vida, me distrair, me acostumar. Mas aos poucos a distração de nada servia, me irritava, me amargurava um pouco mais. O cigarro, a bebida, as pessoas, nada disso me salvava de mim mesmo, nada disso tirava ou amenizava minha tristeza, então aos poucos me apeguei aos livros, ao silêncio da minha casa, ao silêncio do meu interior, que aos poucos voltava a gritar, querendo viver, querendo ter algum sentido.

Bom, eu entendo meus pais, sei que eles querem somente o melhor pra mim. Vivemos em um condomínio esquecido pelo governo em uma zona criminalista de Tokyo, onde mal se conseguia morar uma pessoa, moravam cinco, isso até meu irmão do meio falecer.
Isamu sempre foi o filho preferido, o inteligente e brincalhão, amigo de todo mundo, uma pessoa bem sociável. Quando ele entrou pra uma gangue, como escravozinho por ter feito merda gratuita, eu e meu irmão mais novo tentamos ajudar, livrar a pele dele, porém ele realmente se enfiou naquilo, subindo aos poucos, até ser preso e morrer por um membro da gangue rival.
A morte dele foi um baque forte demais pros meus pais, minha mãe certamente foi a que mais sofreu, ele era o filho preferido dela, e o enxergar em mim pareceu ter sido sua última saída, seu escape para tanta dor.
Meu pai se afundou no trabalho, usando o pouco dinheiro suado com bebida e jogos de azar, confiando cegamente que um dia sua maré de sorte chegaria, bem, nunca chegou.
Meu irmão mais novo pareceu não ter sentido muito, mas mal parava em casa, estava sempre saindo com seus amigos, chegando tarde, e ainda sim, tentava aumentar as notas pela mamãe, sinto que deveria ter feito mais pelo Baji, só não conseguia... Não sabia o que ou como fazer.

Assim que deu o horário, sai com a Emma da empresa, um vento gélido cortou nossas peles exportas, quentes até então, suspiro baixo, ajeitando o casaco em meu corpo, o outono chegou, dia 03 de Outubro, mais um ano de vida...

– Vai ir visitar seus pais? É seu aniversário hoje, tem que ir visitar eles — A loira ditou com calma, sabia a situação, entendia meus motivos, mas ainda sim insistia.
Não a olhei, reprimindo os lábios em uma linha fina, tentei olhar para qualquer coisa que não fosse os olhos dourados que me queimariam se pudessem.

– Talvez, irei ligar para o meu pai e ver se tudo bem passar lá — Era mentira, mas com o passar dos anos aprendi a mentir bem, bem até demais. Novamente me ajeito no casaco, incomodado com algo.

Assim que deixei a loira na estação de metrô fui pra casa, um cigarro já queimado estava pela metade, o gosto amargo e tóxico ardia em minha boca. Iria passar reto até sentir duas pessoas atrás de mim, em uma virada brusca bato o braço em uma das pessoas, agarrando a outra pela gola.

– Ei! Eita, você está treinando por acaso? — Xingo baixo e solto ambos quando notei os caninos superiores a mostra. — Não vai me dar um abraço?

– Está longe de casa, Baji, o que quer aqui? — Me abaixo e pego meu cigarro do chão, o fumando ainda ainda podia, o moreno fez uma careta, passando o braço por cima do meu ombro, ainda era menor que eu — Fala logo e cai fora.

– Vim te dar parabéns, não posso? E... Papai pediu para você ir lá em casa, mamãe está com saudades de você

– Não, ela está com saudades do Isamu, aparentemente, pra ela, eu morri no lugar dele, então por que não diz aí papai que não me encontrou e me deixa em paz? —Murmuro entre os dentes, jogando a bituca do cigarro na primeira lixeira que encontrei — Você não entende situação ou só se faz de besta?

– Acho que seria legal você mostrar que está vivo, [___], faz tempo que não dá notícias — Reviro os olhos ao finalmente ouvir a voz do Matsuno — Muitas pessoas sentiram saudades de você, afinal.

O sorrisinho nos lábios dele com certeza me deixaram ainda mais irritado, porém não podia simplesmente o tirar dali, Baji se meteria e seria uma zona tudo isso. Um suspiro preguiçoso e de arrependimento deixou meus lábios, tiro o braço do meu irmão de meu ombro, enfiando as mãos nos bolsos do casaco.

– Vamos, mas não irei demorar.

Porto - Chifuyu MatsunoOnde histórias criam vida. Descubra agora