Capítulo único

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 Nem o rádio em funcionamento que tocava em baixo som, quase tímido, algum CD qualquer que antes escondia-se sob uma camada de poeira dentro do pequeno porta-luvas, tampouco o motor nada recatado do Opala '70 eram capazes de amenizar o ruidoso som do silêncio que tingia o interior do automóvel em movimento, mantendo reféns de sua fria indiferença — ou quase — aqueles dois estranhos que se acomodavam sobre os assentos revestidos em couro gasto.

Era difícil respirar corretamente quando não se tinha uma certeza sobre quem era o forasteiro no banco ao lado, quando tudo que os conectavam eram acontecimentos inesperados que simplesmente os levaram a compartir o íntimo daquele carro, assim como as alianças douradas que abraçavam seus anelares esquerdos num forte aperto. E elas, em segredo, estavam temerosas de que qualquer novo toque de desapego fosse guiá-las para longe daqueles dedos cansados, para então encerrar um matrimônio acordado sobre juras de uma eternidade que parecera durar tão pouco.

Enquanto Yixing segurava firme o volante do automóvel e usufruía dos dois anos de um de teatro barato que cursara na adolescência, para atuar indiferença ao tempo que fingia justificar sua mudez com uma falsa concentração na estrada, ChanYeol encolhia-se desleixadamente no assento do passageiro, sem saber dizer se aquele vazio em seu estômago se dava pela falta de uma boa refeição ou pela ausência do bater de asas das borboletas que tinham o costume piegas de se colocarem exageradamente agitadas quando o marido estava por perto.

Mas ele já não estava tinha muito tempo.

Se perguntassem ao Park o que acontecera para que aquela linha que unia seus corações houvesse se tornado tão frágil, ele honestamente não saberia dizer.

Quando oficializaram uma união, estavam certos de que haviam sido feitos sob encomenda um para o outro. No entanto, após três longos anos de casamento, ChanYeol começou a silenciosamente questionar aquilo.

A primeira bandeira vermelha que viu se erguer ao alto para anunciar a chegada do decair daquela relação foi quando o Zhang passou a incomodar-se com seus pedidos dóceis, antes tão habituais, de carinho, rejeitando-os quase como se questionasse ao outro o que se passava em sua cabeça para fazê-los; como se fossem o maior absurdo que já presenciara.

Então, as madeixas loiras de ChanYeol se tornaram infantis demais e sua personalidade tão delicada e inundada por ternura passou a ser inadmissível para um homem daquele porte e com tanta idade. Ainda que no florescer daquele amor, o chinês jurasse serem esses alguns dos incontáveis motivos pelos quais houvera se apaixonado pelo mais novo.

Logo, o problema passara a ser inteiramente a presença de ChanYeol no mesmo cômodo. Afinal, Yixing estava cansado demais de passar o dia rodeado por pessoas em seu serviço e precisava ficar sozinho para poder relaxar. Assim, tornou-se comum que o moreno adormecesse na sala — já que estava cansado demais para dirigir-se até o quarto —, no escritório — quando acabava perdendo a hora enquanto trabalhava em seus relatórios até tarde da noite —, ou no quarto de hóspedes — porque, é claro, não queria correr o risco de acabar despertando ChanYeol ao chegar tarde demais do trabalho.

O erro do Zhang, talvez, fosse agir como se não ouvisse o pranto contido de seu esposo soando na madrugada desde os confins de sua solidão e incertezas sobre aquela união. Talvez não fosse correta a forma como tentava enganar a si mesmo alegando não saber que o motivo da prateleira de livros da sala estar tão fora de ordem nos últimos meses dar-se pelo fato do loiro deslizar-se no meio da noite até ali, sigiloso, como se cometesse um crime, somente para abrir o álbum de fotos de seu casamento e saborear minimamente o gosto do amor que lhe fora prometido naquelas memórias, o qual agora escorregava por entre seus dedos de forma tão ardilosa.

E conforme o tempo prosseguiu em seu caminhar sobre passos tortos, o que lhes foi restando resumia-se apenas em um teto compartido e amigos em comum. Esses que, inicialmente, foram a ponte para que suas vidas se cruzassem, e agora eram também a que tentava mantê-las conectadas de alguma forma.

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