O carro corre em alta velocidade derrapando pela estrada molhada. A chuva escorre pelas janelas e os relâmpagos claream o céu noturno. Meu pai não disse para onde estamos indo, somente me pegou pelo braço e trouxe-me para o automóvel depois que lhe contei novamente sobre o homem que entrava em meu quarto todas as noites e me observava dormir, ou ao menos fingir que estava dormindo.
- Para onde estamos indo?
- Para um lugar de onde nunca deveríamos ter te tirado. - Sua voz é fria e dura como concreto. Não entendo o que quer dizer, mas tenho certeza que não será uma surpresa agradável. Permanecemos em silêncio até o fim da viagem, quando o carro para em frente a um portão de grades altas, cercas de madeira e árvores. Certamente nada encantador. - Vamos. - Fala abrindo minha porta fazendo com que toda a água acumulada em uma poça me molhe.
- Onde estamos? - Indago nervosa e com um certo medo. Nunca vi o rosto de meu pai tão sério, para falar a verdade somente uma vez. Eu deveria ter onze anos e era uma noite de primavera, estávamos jantando e de repente vi algo rondando a mesa, atrás de minha mãe, apontei para ela e disse o que estava vendo, porém aparentemente só eu conseguia enxergar a assombrosa criatura. Meu pai fez a mesma expressão que está em seu rosto agora, sério e rígido, me dizendo para não inventar coisas.
- No mesmo orfanato em que te conhecemos. - Meu queixo quase se desprende de meu corpo e não consigo conter algumas lágrimas.
- Quando pretendiam me contar sobre isso? - Me mantenho firme e ajeito minha postura.
- Logo. Mas não faria sentido te contar no momento, depois de tudo que presenciamos você fazer, ver e falar não a queremos por perto, seu lugar é isolada com outros como você. Sinto muito Crystal, não pode continuar conosco. - Suas palavras rasgam meu peito como facas afiadas fariam. Ele entra no carro e da partida, me deixando sozinha na chuva.
- Entre logo antes que pegue um resfriado. - Ouço o grito agudo de uma mulher idosa que me olha como se fosse um ser totalmente desprezível. - O que está esperando garota? Venha logo. - Ela fala e os portões se abrem para minha entrada. Observo mais o local tentando digerir o que está acontecendo. Acabei de ser deixada em um orfanato do qual nem sabia que havia saído, meus pais me rejeitaram, aqueles que me escolheram e prometeram diante da justiça me amar me trouxeram de volta para onde me acharam. - Quinze anos, eles te aguentaram muito tempo. Seja bem-vinda de volta. - Diz abrindo um sorriso de dentes amarelos.
Tudo aqui é estranho, os quartos, a iluminação, os funcionários e pior, as vozes, as quais já me perseguiam antes, mas que ficaram muito mais fortes e altas do que de costume.
- Seu quarto fica aqui. Nos últimos anos não recebemos muitas crianças então é o mesmo de quando tinha dois anos, não espero que se lembre dele. - A voz mecânica da senhora diz sem olhar em meus olhos. - Não se preocupe, não irá ficar aqui por muito tempo. - Fala lançando mais um de seus sorrisos assustadores que arrepiam minha espinha. O quarto é pequeno, mal consigo girar com os braços abertos, cabe uma pequena cama, prateleiras com alguns livros, um guarda roupa e uma mesa de cabeceira. Tudo o que preciso, acredito eu. Deito no colchão duro e fecho meus olhos, está tarde e talvez dormindo consiga afastar todos os pensamentos que pesam em minha mente.
- Ela está dormindo. - Uma voz feminina soa pelo recinto.
- Novatos nunca dormem na primeira noite. - Se pronuncia logo atrás.
- Essa é diferente pelo visto.
- Acha que ela pode nos ouvir?
- Não seria a única aqui em Astrad.
- Seria a única viva. - Semissero os olhos tentando enxerga-los mas vejo um vulto se aproximando e definitivamente não quero correr o risco de saberem que estou acordada.

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Crystal e os mortos de Astrad
Paranormal(LGBTQA+) Abandonada pelos pais ao nascer, Crystal é entregue a um orfanato. Porém poucos meses depois acaba sendo adotada por um casal, com quem fica até seus dezessete anos, quando repentinamente seu pai adotivo a leva de volta para o lugar de ond...