Capítulo Um

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O carro corre em alta velocidade derrapando pela estrada molhada. A chuva escorre pelas janelas e os relâmpagos claream o céu noturno. Meu pai não disse para onde estamos indo, somente me pegou pelo braço e trouxe-me para o automóvel depois que lhe contei novamente sobre o homem que entrava em meu quarto todas as noites e me observava dormir, ou ao menos fingir que estava dormindo.

- Para onde estamos indo?

- Para um lugar de onde nunca deveríamos ter te tirado. - Sua voz é fria e dura como concreto. Não entendo o que quer dizer, mas tenho certeza que não será uma surpresa agradável. Permanecemos em silêncio até o fim da viagem, quando o carro para em frente a um portão de grades altas, cercas de madeira e árvores. Certamente nada encantador. - Vamos. - Fala abrindo minha porta fazendo com que toda a água acumulada em uma poça me molhe.

- Onde estamos? - Indago nervosa e com um certo medo. Nunca vi o rosto de meu pai tão sério, para falar a verdade somente uma vez. Eu deveria ter onze anos e era uma noite de primavera, estávamos jantando e de repente vi algo rondando a mesa, atrás de minha mãe, apontei para ela e disse o que estava vendo, porém aparentemente só eu conseguia enxergar a assombrosa criatura. Meu pai fez a mesma expressão que está em seu rosto agora, sério e rígido, me dizendo para não inventar coisas.

- No mesmo orfanato em que te conhecemos. - Meu queixo quase se desprende de meu corpo e não consigo conter algumas lágrimas.

- Quando pretendiam me contar sobre isso? - Me mantenho firme e ajeito minha postura.

- Logo. Mas não faria sentido te contar no momento, depois de tudo que presenciamos você fazer, ver e falar não a queremos por perto, seu lugar é isolada com outros como você. Sinto muito Crystal, não pode continuar conosco. - Suas palavras rasgam meu peito como facas afiadas fariam. Ele entra no carro e da partida, me deixando sozinha na chuva.

- Entre logo antes que pegue um resfriado. - Ouço o grito agudo de uma mulher idosa que me olha como se fosse um ser totalmente desprezível. - O que está esperando garota? Venha logo. - Ela fala e os portões se abrem para minha entrada. Observo mais o local tentando digerir o que está acontecendo. Acabei de ser deixada em um orfanato do qual nem sabia que havia saído, meus pais me rejeitaram, aqueles que me escolheram e prometeram diante da justiça me amar me trouxeram de volta para onde me acharam. - Quinze anos, eles te aguentaram muito tempo. Seja bem-vinda de volta. - Diz abrindo um sorriso de dentes amarelos.

Tudo aqui é estranho, os quartos, a iluminação, os funcionários e pior, as vozes, as quais já me perseguiam antes, mas que ficaram muito mais fortes e altas do que de costume.

- Seu quarto fica aqui. Nos últimos anos não recebemos muitas crianças então é o mesmo de quando tinha dois anos, não espero que se lembre dele. - A voz mecânica da senhora diz sem olhar em meus olhos. - Não se preocupe, não irá ficar aqui por muito tempo. - Fala lançando mais um de seus sorrisos assustadores que arrepiam minha espinha. O quarto é pequeno, mal consigo girar com os braços abertos, cabe uma pequena cama, prateleiras com alguns livros, um guarda roupa e uma mesa de cabeceira. Tudo o que preciso, acredito eu. Deito no colchão duro e fecho meus olhos, está tarde e talvez dormindo consiga afastar todos os pensamentos que pesam em minha mente.

- Ela está dormindo. - Uma voz feminina soa pelo recinto.

- Novatos nunca dormem na primeira noite. - Se pronuncia logo atrás.

- Essa é diferente pelo visto.

- Acha que ela pode nos ouvir?

- Não seria a única aqui em Astrad.

- Seria a única viva. - Semissero os olhos tentando enxerga-los mas vejo um vulto se aproximando e definitivamente não quero correr o risco de saberem que estou acordada.

Crystal e os mortos de AstradOnde histórias criam vida. Descubra agora