4.600 palavras
Eu não sabia ao certo porquê estava nervoso.
William e Beatriz iriam até a minha casa naquele domingo para fazermos a tal maquete de Páscoa inspirada em Jerusalém.
Eu estava repassando mentalmente todo o material que precisávamos, se estava tudo lá: caixas velhas de remédio, ou de brinquedos, ou de artigos de perfumaria; cola branca, algum glitter, cola-quente e pistola de cola-quente, cartolina para escrever alguns tópicos para explicar o porquê de nossa escolha ter sido o Santo Sepulcro.
- O que significa toda essa simbologia para vocês? - Aquele ser veio perguntar quando surgiu de dentro de uma parede e eu fiquei ainda olhando para ele e para parede alternadamente, com o cenho franzido e visivelmente indignado com que acabava de testemunhar.
- Você atravessa matéria agora? - Finalmente perguntei.
- Não só a matéria - ele respondeu, indulgente - mas faço coisas que vocês jamais imaginariam conseguir ser capazes. Mas eu perguntei primeiro.
Engoli mais aquela ofensa a minha espécie e virei para a mesinha de cabeceira.
- Jesus Cristo é o salvador da humanidade...
- Salvador? Em que sentido?
- Neste. Ele salvou os homens de sofrerem condenação eterna por seus pecados. Aquele que crê que ele é filho de Deus, que foi morto e voltou a vida e se arrepender verdadeiramente de seus pecados, poderá ser chamado Filho de Deus e ser presenteado com a vida eterna.
- Por que esta história merece uma data especial celebrada até no local onde você é ensinado sobre as coisas...?
- Não é só uma história, é a crença da maioria das pessoas que vivem na Terra.
A coisa andou de um lado a outro do meu quarto, tendo as mãos para trás e visivelmente refletia sobre alguma coisa.
- Vi muitos povos com crenças parecidas... - ele disse, olhando pela janela para algo lá fora, com os olhos vidrados.
- Digamos que as religiões em geral são realmente parecidas.
- É, o povo do seu planeta tem muitos, mas muitos sistemas religiosos. Mas... em nenhum povo, eu vi uma crença em algum ser maior e que tivesse se tornado um semelhante... Nenhum povo que conheci acredita que ele pudesse se assemelhar a seres divinos... Só a humanidade. Isso é humilde da parte dos deuses que vocês acreditam, mas arrogante da parte de vocês.
Eu sabia que aquele não era dia nem hora para perguntar finalmente todas as coisas que me enchiam a cabeça de dúvidas. Mas mesmo assim, com aquele discurso vagaroso e sem rumo daquele ser, eu me atrevi a perguntar:
- Me responda - eu disse com autoridade - o que é você? Sem delongas, sem me enrolar... eu acho que eu preciso e mereço saber. Você invade a minha casa, a minha privacidade, fica soprando no meu ouvido coisas que eu não entendo e por vezes, coisas que só eu saberia, porquê... você lê a minha mente e isso é desagradável. Você vem até a minha casa, a minha vida, me conhece desde a minha alma e eu não posso saber nada de você?
A coisa, à esta altura, estava bem diante de mim, parado, ainda com as mãos unidas às costas. Seus olhos cinzas, perfeitamente redondos e... tenho que admitir que eram a coisa mais linda que eu já tinha visto... estes olhos estavam me encarando, como da primeira vez que nos encontramos no porão. Ele nem precisou abrir seus lábios finos e listrados de azul para ouvir sua voz estridente perguntando: Você consegue ver?
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CRIATURA
Science FictionImagina conhecer, do nada, um Ser sem definição, sem gênero, sem nada que denuncia o que ou quem de fato ele é? Agora imagina conhecer na sua casa, no seu porão, algo ou alguém que aparece do nada e nada te explica sobre... nada? Tudo o que ele lhe...