Um Perfeito Cavalheiro

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    Será possível um homem mudar de verdade? Ou será que o temperamento e os hábitos constituem as fronteiras imutáveis de nossas vidas?

Estamos em meados de Setembro de 1869 e reflito essas questões em meu gabinete enquanto observo as estrelas pela janela. Encontro-me sozinho perdido em meus próprios pensamentos. Minha esposa, Teresa, está dormindo no andar de cima e não despertou quando passei em seus aposentos minutos antes de estar aqui. Não dividimos o mesmo quarto a algum tempo, mas hoje quando a vi sozinha deitada naquela cama, só tive vontade de ter o seu corpo colado ao meu.

Já é tarde – passa da meia-noite – e o ar gelado que entra pela janela ainda aberta de meu gabinete me faz querer ainda mais estar ao lado de minha esposa. Estou usando um pesado robe de algodão na cor vermelha e, embora tenha pensado que ele seria grosso o suficiente para me proteger do frio, percebo que minhas mãos estão tremendo antes de enfiá-las nos bolsos.

Me reaproximei de Teresa depois que Luísa partiu para a França, a quatro meses atrás. Por incrível que pareça não sinto falta dela como cogitei que fosse sentir. Pensei que estivesse apaixonado e que aquele sentimento fosse durar para sempre, mas estava completamente errado, e a cada dia que passa tenho mais certeza de que sempre amei Teresa.

Não sei dizer quando exatamente tive a certeza de que a amava.

Talvez tenha sido, simplesmente pelo cuidado que ela sempre teve com todos de nossa família, até mesmo comigo.

É ela que sempre me conforta quando tenho pesadelos no meio da noite, Teresa alisa meus cabelos até que eu pegue no sono novamente. A maneira como ela sempre canta para nossos netos dormirem, ou quando ela prega conchinhas no banco do jardim ao lado deles. A forma como ela canta e dança ao lado de nossas filhas sempre me tira sorrisos bobos, e quando o olhar dela se encontra com o meu, sinto meu coração acelerar. É como se eu estivesse redescobrindo minha esposa outra vez, e eu a amo cada vez mais.

Mas como eu iria dizer a ela que a amava? Como ela poderia confiar em minhas palavras, sendo que a tratei por anos da maneira mais desprezível possível... talvez eu tenha descoberto meus sentimentos tarde demais.

Teresa não consegue confiar em mim, não tiro sua razão eu também não confiaria se fosse ela, mas isso só mostra quão magoada ela está comigo.

Sempre que preciso me encontrar com Caxias para resolver algo importante na câmara, seu semblante se entristece. Acredita que eu teria encontrado uma outra amante, visto que o marquês sempre foi uma das minhas desculpas mais usadas para encontrar-me com Luísa.

Idiota, idiota, idiota mil vezes! Teresa estava se afundando e quem estava a empurrando era eu! Como não fui capaz de enxergar o mal que fiz a minha mulher por todos esses anos? Estava cego.

...

No dia seguinte sentado ao lado de Teresa, senti uma sensação estranha, como se tivesse borboletas em meu estômago. Estava inebriado pela forma que ela sorria para os nossos netos, e a maneira que a mecha solta de seu penteado caia sobre seus olhos.

No entanto, ao olhá-la com mais atenção, reparei pela primeira vez na forma distraída como ela relanceou os olhos em minha direção e na postura inegavelmente triste de sua cabeça, de repente percebi que não tinha certeza de que ela sentia o mesmo amor por mim que eu tinha com ela.

É muito doloroso pensar que sua mulher talvez não o ame mais e, é ainda pior quando se sabe que a culpa disso é absolutamente sua. Destruí todo o amor que Teresa sentia por mim, a humilhei trazendo a condessa para dentro de nossa própria casa. Seria compreensível se ela me odiasse pelo resto da vida.

Recomeço - Pedresa Onde histórias criam vida. Descubra agora