Anesthésie, JM

2| A um oceano de saudade - Carta

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Aparentemente, de vez em quando, ainda assisto aos shows daquela sua banda favorita pelo DVD, e quando digo isso, não quero apenas dizer que conheço o exato instante em que o disco riscado se repete duas vezes seguidas antes da parte transcendental em que a multidão tanto esperou para ver. Isso significa, mais uma vez, que eu sou apenas uma matéria dependente de quaisquer dos menores resquícios que me concedam sentí-lo materializado em sua forma mais real e esplendente; uma evidência antiga de prazeres colecionados em uma estante sentimental na qual eu não consigo abandonar.

Eu gostaria de contextualizar as sensações que o meu corpo expressa sempre que você se faz presente no meio dos meus dias. Na chuva que me molha, no vento que me toca, em cada folha esvoaçante e calor escaldante que deita sobre minha pele em um beijo-abraço. E o que devo então às estações que me permitem experimentá-lo calmamente entre a magia dos seus pormenores? Eu gostaria de poder sublinhar as suas melhores partes, Amor, mesmo que isso me renda horas, e a cada nova descoberta sua, uma vertente se abra me estimulando a infinitude de curiosidades.

É por isso que, fora de minhas utopias, eu busco por você dentro das minhas capacidades, porque ainda há poucos fragmentos restantes da consciência de que sou feita de carne e não somente de sonhos. Onde a cada amanhecer descubro que ama-lo me põe à prova, pois você é quem me coloca em contato legítimo com o mundo quimérico, e o mesmo que me puxa de volta a realidade como ela realmente é. Se fosse eu o rei dos meus anseios, usaria esse poder para trazê-lo das minhas fantasias mais obscuras, onde habitam sabores de mel nos mesmos lábios que jorram sangue de amor eterno.

Mas em dias como esse, em que a visão da janela me concede apenas divagar, eu observo para fora do quintal o pouso de uma nova borboleta, essa tem um formato pequeno e carrega pigmentos cor de chocolate claro. Ela tem o bater de asas mais suave, como se soubesse como acalmar as batidas do meu peito, roubando os meus olhos para o seu vôo lento atentamente, ainda quando o tempo a minha volta parece continuar o mesmo, e os segundos crescem para os minutos e além deles. 

Ela pousa em um dos jamins, possivelmente atraída pelo bom aroma, como se enlaçada delicadamente por uma haste de seda invisível. Sou engolida, mais uma vez, por um redemoinho de pensamentos guiados até você, e já não sei dizer se o que vejo nascendo no campo são borboletas que brotam das flores ou pétalas de bronze dotadas de asas.

Quando passei a ser tão rendida pelo encanto do teu amor? Ou pelo sopro que entra e sai quando bem quer, arrepia a alma e faz de mim prisioneira livre para ir o mais longe que quiser, contudo, entende que nenhum outro lugar lhe pertence mais do que esse, e que há habitações que foram feitas para serem habitadas para sempre. 

Você é esse lugar para mim, e eu nunca cansarei de lhe dizer isso, embora a distância abafe a minha voz nesse som que ecoa através da imensidão das águas, como um som oco e profundo perdido no vazio.

Mas, eu continuo aqui, resgatando o máximo que posso da bem-vinda esperança que tanto me abraça, pois, certa vez, ouvi dizer que os amores não materializados são os únicos capazes de sobreviver à corrosão do tempo. Por isso, quero que saiba que mesmo que o amanhã pareça improvável, e mesmo que os erros estejam presentes na constância dele, e as chuvas tempesteiem nossas cabeças enquanto estivermos tomados por água acima dos queixos, nada é tão inegável quanto a existência dos meus sentimentos, e nada pode ser tão inquebrável quanto essa certeza.