Capítulo 2 | Dodô

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Oh, father, tell me    Oh pai, me diga

Do we get what we deserve?    Nós recebemos o que merecemos?

And way down we go    Ladeira abaixo nós vamos

(Way Down We Go - Kaleo)


- Não precisava, David. – sua avó murmurou com a voz embargada, recebendo nas mãos a suculenta de folhas verdes e gordinhas.

- É a única coisa que você não briga por eu dar a você, vó. – ele beijou a testa suada dela.

- Porque você já me dá muito, meu filho. Ó esse treco daqui – ela apontou para o canto direito da sala, onde do lado da estante da televisão havia um umidificador de ar, que ele havia a presenteado num dia qualquer. – Eu nem sei pra quê serve!

- A senhora tem problema respiratório. Isso ajuda a manter o ar úmido e facilitar a respiração. – tentou a explicação mais simples possível.

Dona Maria aparou a plantinha na mesa ao lado, e colocou as duas mãos na cintura, meneando a cabeça pensativa.

- Hum... melhora a respiração. Acho que Zilda vai gostar.

- Vó, isso é seu. Pra você.

- Mas eu não preciso, e nem sei como se usa. Já Zilda é mais velha que eu, teve pneumonia mês passado, e esse... qual o nome desse troço mesmo, meu filho? – a vó não esperou pela resposta, fazendo um gesto com uma das mãos como se não tivesse importância. – Depois você me ensina como que usa que vou explicar certinho pra ela, e dizer que ajuda na respiração.

Dodô suspirou, recebendo um olhar duro de sua avó.

- Eu já tenho o que preciso aqui, David.

- Não tem, vó.

Os olhos dele percorreram o casebre situado na encosta do morro da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro. A vó morava ali desde que se entendia por gente, e mesmo quando a mãe dele morreu de overdose e o pai fora preso há anos, ela o pegara de outro barraco, e dera um jeito de fazer um quarto estreito ao lado do dela para ele.

As paredes eram somente embolsas e sem cor. O banheiro tinha o chão de cimento, e o vidro da sala conservava o furo de uma bala perdida.

Dona Maria passou por ele, indo checar o fogão, onde uma rabada estava sendo preparada. O cheiro de carne ensopada exalava no ar, trazendo a nostalgia de sua infância.

A que ela fizera boa de se viver, mesmo para um menino favelado e sem pais.

- Saber que você está bem e seguindo a vida fora das drogas e do crime é tudo o que preciso. – ela murmurou, mexendo a panela com uma colher de pau.

Dodô riu, indo até a vó com um sentimento gigante de gratidão, e depositando um beijo no topo da cabeça dela.

- Você merece o mundo, Dona Maria.

- Tá quase pronto. – ela revirou os olhos e secou as mãos no vestido florido de lycra que revestia o corpo redondo. Depois afagou o rosto dele por um segundo, se virando para dar atenção à louça que estava na pia. – E Sarah?

- Está bem. – ele foi até a panela, pegando um garfo para pescar um pedaço da carne – Ela disse que dá próxima vez que vier aqui, vai pegar a senhora para morar com a gente.

Dona maria meneou a cabeça, discordando.

- Já disse pra vocês que esse é meu lar, David. – os olhos negros o miraram. – Ficaria muito mais feliz se me dessem netinhos. – ela parou o ensaboar de um copo, e apontou a esponja para ele. – E a gente que mora em comunidade, é assim: sai da favela, mas a favela não sai da gente.

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⏰ Última atualização: Mar 27, 2022 ⏰

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