Os sons dos cascos dos cavalos foram as primeiras coisas que ouvi, quando recuperei a consciência.
Em seguida, ao abrir os olhos, a visão de meu pai observando-me seriamente, fez com que uma careta surgisse em meu rosto.
⎯ Por Deus, papai. Está assustando-me ⎯ reclamei, enquanto esfregava os olhos, livrando-me da sonolência.
⎯ Deveria envergonhar-se ⎯ ele disse ainda sério e nem precisou que terminasse sua fala para que soubesse à que se referia. Entediado, espreguicei-me, ao passo em que ele retomava seu sermão: ⎯ Deveríamos estar adiantados em nosso trajeto, Sebastian.
⎯ Ocorreram apenas alguns imprevistos, papai. Não há razões para que se estresse à toa ⎯ falei, tentando soar convincente, muito embora a expressão que ele me dirigia já demonstrasse o quanto estava falhando em minha tarefa.
⎯ Ora, como ousa tentar enganar seu próprio pai? Informaram-me de suas condutas inadequadas na França, Sebastian! Estou a par de cada uma de suas idas a bordéis baratos em vez de frequentar às aulas, como deveria fazer!
Indiferente, fingi avaliar as horas em meu relógio de bolso, dando-me conta, tardiamente, que meu pai, de fato, estava correto.
Estávamos realmente atrasados.
Mas não era justo, no entanto, que ele atribuísse a culpa somente a minha pessoa, porque, afinal, fora culpa justamente da donzela de mais cedo, a qual acabou custando-me mais tempo do que o pretendido quando fui visita-la no prostíbulo em que trabalhava.
Não parecia-me justo que meu pai repreendesse tão severamente minhas condutas.
Ele era um homem e, também, já tivera a minha idade um dia.
Eu era um homem em plenos 25 anos de idade.
Óbvio que cederia aos impulsos de minha masculinidade, desfrutando tanto quanto possível com cada uma das belas mulheres que avistei em minha viagem à França.
⎯ Ouviu o que acabei de dizer-lhe? ⎯ Theodore Kisner, popularmente conhecido pelo seu título como o Visconde de Kisner, exigiu saber.
⎯ Por certo que sim, meu pai ⎯ menti, obrigando-me a esboçar uma expressão que comtemplasse o olhar fugaz que ele me dirigia.
De olhos estreitos, o senhor diante de mim quis saber, um tanto desconfiado:
⎯ Então, o que me diz?
Pisquei.
⎯ Que o senhor está correto ⎯ falei, usando as palavras que ele tanto gostava ouvir.
Ele pareceu surpreso.
⎯ É mesmo?
Assenti, forçando um sorriso.
⎯ Ora, isso sim é inesperado ⎯ ele falou, retirando seu chapéu para, assim, exibir sua cabeleira já esbranquiçada pela idade. Com os olhos ainda estreitos, então, esclareceu: ⎯ Está dizendo-me que está em busca de uma noiva?
E foi suficiente para que o sorriso em meus lábios morresse.
Evidentemente não estava em busca de uma noiva.
Era jovem demais para submeter-me às amarras de um casamento e sequer se passava pela minha cabeça a possibilidade de casar-me naquele momento.
⎯ Por certo que não, meu pai ⎯ apressei-me em contrariá-lo. ⎯ Em definitivo ainda não me sinto preparado para o matrimônio.
⎯ Está a contradizer-se, filho? Acabou de concordar comigo quanto a possibilidade de um matrimônio ⎯ o senhor diante de mim disparou, arqueando desdenhosamente uma de suas sobrancelhas.
⎯ Não passava de um trocadilho ⎯ disse-lhe, nervoso. ⎯ Ou realmente crês que alguém como eu está à procura de um casamento?
⎯ Seria o mais adequado, dadas as circunstancias. Acaba de concluir seus estudos e, além do mais, estou velho, Sebastian. Meu título e posses muito em breve serão passados a você. Deverá honrar com as suas responsabilidades como o novo Visconde de Kisner e para isso, nada mais sensato do que ter uma esposa que possa lhe dar muitos filhos.
⎯ Não preciso de uma esposa para cumprir com as minhas obrigações como Visconde, meu pai.
⎯ No estado em que encontra-se, aposto que gastará toda a fortuna de nossa família com prostitutas e isso, meu caro, jamais permitirei. Trataremos de encontrar-lhe uma esposa assim que chegarmos em Londres. A temporada está prestes a começar e aposto que encontrará alguma moça de seu agrado.
⎯ Papai, por favor. Acabo de chegar de viagem...!
⎯ Exato! Que momento seria mais oportuno do que este?
Seja lá o que planejava retrucar-lhe foi impedido quando o som de um trovão soou ao céu, seguido de pancadas severas de chuva.
Excelente.
Era tudo o que restava para tornar aquela viagem ainda pior.
Decidido, meu pai ajustou seu colete, antes que a carruagem repentinamente parasse e um dos cocheiros surgisse pela abertura da janela, avisando-nos, por debaixo de uma chuva forte:
⎯ Precisamos pausar a viagem, senhor. O trajeto estará, dentro de pouco tempo, interceptado pela chuva.
Conferi os arredores, notando que o cocheiro dizia a verdade: ao nosso entorno, a estrada começava a enlamear-se e não demoraria nada para que os cavalos começassem a relinchar, incomodados pela situação do cenário.
Com um gesto desdenhoso, meu pai despachou o cocheiro, declarando, ao fazê-lo:
⎯ Descansemos, então. Parem na primeira propriedade que encontrarem. Passaremos a noite e então amanhã retomamos a viagem.
O rapaz imediatamente assentiu e não muito tempo depois, voltamos a nos locomover sob a estrada.
Irritado, fiz o possível para afastar as palavras de meu pai quanto ao matrimonio da cabeça, mas, infelizmente, foram somente nelas que pensei pelos próximos quinze minutos, quando a carruagem parou, e vi-nos diante de uma imensa propriedade, contornada por uma belíssima plantação de linhaças.
Era uma noite fria e chuvosa.
Que presságio seria mais óbvio do que este?
Eu já deveria saber que algo de ruim estivesse prestes a acontecer-nos, mas nada mais fiz do que descer da carruagem, indo direto para a propriedade que, posteriormente, selaria meu destino.
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O Amor Não É Para Todos
Historical FictionInglaterra, 1837. Atolado em dívidas, Dominic Thompson acreditava já não ter mais alternativas de escape para a iminente pobreza que o aguardava, até que uma oportunidade inusitada literalmente bate à sua porta, em uma noite chuvosa, quando o Visco...