Trovoava estrondosamente alto, quando finalmente me dei conta da existência de vozes no andar de baixo.
Imediatamente me pus de pé, detendo-me apenas para embrulhar-me em meu xale, antes que sorrateiramente descesse os degraus da escada, tornando a conversa no andar de baixo cada vez mais audível, à medida que me aproximava da sala.
⎯ Será um prazer! ⎯ a voz de papai soava eufórica, enquanto ele se postava diante de um homem velho e baixinho, ostentando um elegantíssimo chapéu.
Lady Georgina, não muito diferente de meu pai, tinha um sorriso imenso ao complementar:
⎯ Espero que possam fazer proveito de nossa hospitalidade ⎯ comentou, esfregando freneticamente os ombros de Catherine, ao seu lado. Ao seguir seu olhar, avistei um rapaz alto, também trajado de roupas elegantes, localizado de pé ao lado do senhor que, por sua vez, comentava algo com papai.
Intrigada, permaneci atenta à conversação de meu lugar, sobre o último degrau da escada, não me dando conta de meus movimentos, até que o piso velho rangesse debaixo de meus pés, entregando minha presença.
Imediatamente diversos pares de olhos se voltaram na minha direção e constrangida, limitei-me a fazer uma mensura.
⎯ Oh, aquela é minha outra filha, Eleanor ⎯ papai apresentou-me, antes que voltasse seu olhar para mim e fizesse um gesto para que me aproximasse: ⎯ Venha cá, querida.
Hesitante, fitei meus próprios pés descalços enquanto o obedecia, não deixando de ruborescer ao notar os olhos de um dos visitantes – o mais velho – sobre um ponto fixo em meu rosto.
Provavelmente meus cabelos ruivos.
⎯ Os agradeço pela gentileza ⎯ o senhor diante de mim começou, após deslocar sua atenção novamente para meu pai. ⎯ De certo os recompensaremos quando a manhã recair e toda essa tempestade passar.
Lady Georgiana soltou uma risada estridente, soando falsa até mesmo para seus próprios ouvidos.
⎯ Morar no campo definitivamente há de haver algumas vantagens. Por sorte encontraram nossa propriedade em meio a toda a tempestade lá fora ⎯ ainda sorridente, ela desviou sua atenção para o rapaz alto ao lado do velho senhor, cuja voz ainda era desconhecida. ⎯ Presumo que os senhores estivessem a caminho de Londres, correto?
⎯ Exato, senhora ⎯ o rapaz, finalmente, falou, chamando minha atenção para seu rosto jovial e indiscutivelmente atraente. Ele tinha impressionantes olhos azuis que tornavam-se brilhantes mesmo ante a quase escuridão da noite. Ele ainda sorria quando seus olhos se desviaram para mim e fui forçada a fitar meus próprios pés.
⎯ Ora, quanta coincidência! ⎯ Lady Georgina declarou, animada, batendo suas palmas juntas. ⎯ Minha filha e eu estávamos justamente planejando ir à Londres amanhã ⎯ confidenciou, tocando um dos ombros de Catherine, cujos olhos azuis mantinham-se fixos no rapaz. ⎯ Ela frequenta uma academia para damas e muito em breve debutará.
O rapaz assentiu, inspecionando sutilmente a aparência de minha irmã, que corou ante o ato.
⎯ O senhor foi agraciado com uma bela família ⎯ o velho senhor opinou, passeando seus experientes olhos por Catherine, Lady Georgina e eu. ⎯ Por certo que conseguirá excelentes pretendentes para estas belas jovens.
Lady Georgina riu.
⎯ Assim esperamos, mas somente Catherine debutará ⎯ informou, sorrindo.
O velho senhor pareceu surpreso.
⎯ Ora, mas por quê?
⎯ Não pretendo casar-me, senhor ⎯ intervim, falando pela primeira vez.
Meu comentário fez com que o olhar aguçado do velho senhor diante de mim recaísse sobre minha pessoa, avaliando-me com cautela. Ele observou-me em silêncio por alguns instantes, antes que papai repentinamente pigarreasse, reconquistando sua atenção:
⎯ Pois bem, já está deveras tarde. É melhor que os senhores se apressem em dormir, porque uma longa viagem os espera amanhã ⎯ aconselhou, solidário.
O velho senhor assentiu, ao passo em que seu filho bocejava, tornando evidente o quão sensato papai estava sendo. De fato, era tarde da noite e, assim como pontuado, uma longa viagem aguardava aqueles forasteiros porque, afinal, longas quatro horas de viagem separavam Cotswolds da capital, o real destino daqueles inusitados viajantes.
⎯ Elle, querida, peça à Martha que apronte os quartos de hóspedes para nossos convidados ⎯ papai pediu-me, no minuto seguinte, mas Lady Georgina foi mais rápida ao dizer:
⎯ Ora, querido! Deixe que eu mesma faça a gentileza ⎯ declarou animadamente, não soltando as mãos das de Catherine, que coçava os olhos, sonolenta, enquanto passava por nós, rumo às escadas que levavam ao segundo andar. ⎯ Acompanhem-me, senhores. Os levarei até os aposentos.
Com frio, esfreguei minhas palmas juntas, ao mesmo tempo em que o velho senhor repentinamente virava de costas, fitando papai e eu e então dizia, com um sorriso tenro nos lábios:
⎯ Chamo-me Theodore, aliás ⎯ informou-nos, sorrindo, antes que seguisse os demais, rumo às escadas que levavam ao segundo andar da casa.
Lado a lado, papai e eu observamos nossos convidados inusitados desaparecerem por sobre os degraus, sem a menor noção do que nos aguardava.
Um futuro definitivamente inesperado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Amor Não É Para Todos
Fiksi SejarahInglaterra, 1837. Atolado em dívidas, Dominic Thompson acreditava já não ter mais alternativas de escape para a iminente pobreza que o aguardava, até que uma oportunidade inusitada literalmente bate à sua porta, em uma noite chuvosa, quando o Visco...