Pela primeira vez em muito tempo, não me lembro de como que sonhei. Mas devo ter dormido muito bem, já que acordei cheio de energia, com todas as forças renovadas. Eu ainda estava na beira da pista onde havia conversado com Lucas, e o sol já havia nascido, mas não havia chegado mais ninguém no lugar.
Muito bem, hora de trabalhar!
Levantei em um quase salto, e estalei o que podia das juntas, para que elas despertassem também.
Só quando olhei ao redor comecei a caminhar, de volta para a praça e vi mais algumas pessoas, é que me dei conta de que a coisa não ia ser tão simples.
Eu precisava de delimitações. Nos sonhos, eu via meu povo sofrendo, e queria fazer o que pudesse para ajudar, mas aqui... É como entrar em uma indústria e querer achar algo específico usando um detector de metal: apita para todos os lados. Não é como se só alguns dali fossem meu povo, não havia diferença alguma entre as pessoas nesse sentido, ou eu não sabia como delimitar isso, ou meu povo incluía todas as pessoas dali.
Assumindo que a segunda opção fosse a certa, decidi que era hora de pôr em prática como ajudar. Nos sonhos, meu povo chorava desesperadamente, gritava em agonia por ajuda. Mas todas as pessoas ali... Os problemas delas não eram visíveis a olhos nus. Se eu fosse ajudar cada um com cada problema que os fizesse chorosos daquele jeito, ia ter um trabalho enorme, primeiro para descobrir o problema, e depois para solucionar o de cada um. Mas mesmo isso não me desanimou, ao contrário, motivou-me.
Qual o príncipe que não dá tudo de si por seu povo? Um príncipe indigno. Quando colocamos algum humano em domínio, é para cuidar daqueles sobre quem domina. É por isso que os adultos dominam sobre as crianças; para cuidar delas, é por isso que os professores dominam sobre os alunos; porque têm o que ensinar e os métodos para tal. Recuso-me a me tornar um príncipe apenas por título! Serei um Príncipe em cada segundo de minha vida, em cada reino onde eu pisar, e o serei por minhas ações, ainda que esteja disfarçado.
Mas mesmo um príncipe não tem todas as respostas, então, decidi ir para um lugar onde eu estivesse sozinho e onde houvesse silêncio, para falar com meu pai. Ele sempre tem a resposta para tudo.
Achei um bom lugar subindo uma pequena colina, ali me sentei, fechei os olhos, respirei bem fundo, pus uma das mãos sobre minha perna, com a palma virada para cima, pronto para o toque dele.
Pai? Você me ouve?
Sim, filho - respondeu a voz familiar da qual eu já sentia saudades, mas sem ecoar por nenhum lugar. Era um tipo diferente de comunicação, mas eu entendia bem e funcionava. Era como se meu pai escrevesse sua resposta em meu coração, e então lesse em voz alta para mim depois, em meu âmago, não na mente, para que eu tivesse certeza de que a voz era a dele, pois ressoava onde só ele podia alcançar. Não havia ninguém no mundo, no reino que fosse, de quem eu fosse mais ou igualmente íntimo do que com meu pai.
Estiquei mais os dedos, ainda com a palma virada para cima.
Pai, eu cheguei. A partida da viagem doeu, mas a aterrissagem foi tranquila; eu conheci pessoas legais, e um amigo que me deixou com cheiro de canela;
Eu podia ouvir seu sorriso ao dizer.
Isso é ótimo, filho
Sim... Mas, pai, como começo a ajudar? Eu não detecto os problemas de todos, e nem diferencio quem é do nosso povo de quem não é - confessei, envergonhado.
Eu o ajudarei. Prossiga, meu filho, e eu cuidarei disso. Confie em mim.
Finalmente, senti seu toque. Sua mão se encaixando na minha, os dedos se entrelaçando aos meus. Quando eu era menor, para tudo que precisava fazer, meu pai costumava me dar a mão antes, dizendo que aquilo me transmitiria parte de sua força, coragem, ou o que eu precisasse dele.
O que está me transmitindo neste toque, pai? -perguntei, apertando sua mão na minha apenas pela saudade.
Como era estranho ficar longe do meu pai... Ele podia estar me transmitindo curiosidades sobre bananas que eu não ligaria se pudesse ter mais tempo com ele.
Apenas um lembrete, de que estou com você em sua missão, meu filho.
Meu pai sempre sabia do que eu precisava, se ele me transmitia um lembrete, então devia ser o que faltava.
Meio nervoso e a contra-gosto, despedi-me de meu pai, e desci a colina novamente. Pronto para tentar de novo.
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Certezas necessárias
RomanceCansado de ser torturado pelas imagens de sofrimento que vê ao dormir e as súbitas angústias que lhe acometem em períodos aleatórios do dia, Filipe decide dar o primeiro passo em direção ao cumprimento da primeira profecia de uma série de 12, indo e...