Amanda

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     O pequeno prédio de três andares onde eu trabalho fica no alto de uma rua pavimentada com paralelepípedos. A maioria das ruas aqui em Petrópolis é assim, tudo por aqui é muito antigo e arcaico, apesar disso o que mais me agrada é o clima frio da cidade. 

     Senhor Ricardo, o dono do apartamento, telefonou ontem para avisar sobre a chegada de um rapaz que havia alugado a casa por alguns meses. Ele pediu para eu chegar bem cedo e deixar tudo pronto. Não me preocupei muito com a limpeza porque venho aqui duas vezes por semana, sabia que o lugar estava limpo. No entanto, não tinha lençol na cama nem toalhas no banheiro, por isso não me surpreendi quando entrei no quarto principal e descobri que Lucas havia dormido com a cama desforrada. 

       Depois do episódio que aconteceu no corredor esperei até ele sair com o carro para poder respirar profundamente e tentar acalmar os nervos. Nos minutos em que ficamos conversando na cozinha tentei transparecer que estava bem e calma, mas fiquei muito apreensiva. O fato dele ter aceitado que Nina estivesse ali, provou que ele é uma cara legal e isso ajudou a me acalmar um pouco, mas não completamente. 

     O quarto cheira a cerveja. Será que ele é alcoólatra ou teve uma noite ruim? Torço para que seja a segunda opção.

      Dois violões repousam no chão. Não deixo de notar que são instrumentos profissionais, mais caros do que o que tenho em casa e costumava usar para compor minhas músicas. Arrumo as roupas no armário e separo as que estão sujas deixando-as jogadas próximas à porta do quarto. 
      Não me incomodo de fazer isso, mesmo sabendo que não faz parte do meu trabalho. O fato dele querer que eu venha todos os dias da semana me deixa muito feliz. Estou mesmo precisando desse dinheiro e Jonas não terá que arcar com o aluguel sozinho durante esse tempo.

     Penso em meu melhor amigo, um irmão que nunca tive e um pai que Nina jamais terá. Ele sempre segura as pontas com o pagamento das contas e do aluguel. Ganha muito bem como advogado de um importante empresa de cerveja da cidade, contudo fico feliz em poder ajudar sempre que posso. 
      Jonas e eu nos conhecemos na escola quando éramos adolescentes e, nunca mais nos separamos. Exceto quando dei uma de louca e fui para o Rio atrás de um sonho que nunca foi realizado. Ele foi à única pessoa que me acolheu e me ajudou depois disso. O único que me deu abrigo, amor e amizade quando eu precisei. Depois de Nina, Jonas é a pessoa mais especial que eu tenho em minha vida. Até meus pais decidiram virar as costas para mim quando voltei para casa e disse que estava gravida.
     Não sei o que teria sido de nós sem ele. 
     Procuro o celular do bolso do avental para lhe enviar uma mensagem.

"Ei, adivinha?"
"Impossível. Deixei a bola de cristal em casa!" 
"Babaca! O cara que alugou o apartamento vai precisar dos meus serviços todos os dias. Vou pagar o aluguel nos próximos meses."
"Amanda, já falamos sobre isso."
"Eu sei, mas vou ajudar! PS: ele é gato."
"Aí, meu Deus! Gato estilo quem?"
"Ryan Gosling....Ele vai cozinhar para nós. Parece que perdeu uma aposta para Nina."
"Essa é minha garota!"
"Vc é má influência pra ela! Saia de perto da minha filha."
"Como assim? Tudo que eu sei, aprendi com ela"
"Não tenho dúvidas disso. Te amo"
"Te amo"


     Quando finalizo a arrumação do quarto e do banheiro me encaminho para a sala. Pretendo deixar a cozinha por último. Não sei que tipo de cozinheiro ele é. Se for igual ao Jonas já sei que após o almoço terei que limpar praticamente uma zona de guerra. Lá em casa é assim, só porque eu não cozinho fico com a limpeza, às vezes sinto vontade de aprender a cozinhar só para dar o troco nele.
     Procuro Nina pela casa e não encontro. A mochila que estava jogada no sofá também sumiu então, deduzo que está no apartamento de cima com a Dona Áurea. Ela já foi minha professora, agora está aposentada e sempre ajuda Nina com o dever de casa. Por morar sozinha e não ter nenhum parente vivo, ela trata minha filha como uma neta desde quando a conheceu. Além de me pagar para arrumar a casa dela uma vez por mês. Nina adora conversar com ela, passa bastante tempo lá quando vem comigo para o apartamento. Sempre que Jonas me arrasta para alguma festa, bar ou casa noturna é Dona Áurea que fica como babá. Ela é o mais perto de uma avó que Nina terá em sua vida e fico triste por isso. Não deixo que lhe falte amor da minha parte, mas às vezes penso que ela sente falta desse tipo de carinho que não é o meu. 
      
     A porta a abre e Lucas entra segurando várias sacolas. Corro para ajudar, mas ele me dispensa e joga as bolsas na bancada da cozinha. Nos dividimos para guardar tudo. Ele comprou tantas coisas que quase não couberam na dispensa. Queijos e garrafas de vinho. Produtos caros e alguns que eu nunca comi. Não o conheço, mas ele parece ser um cara rico. Pergunto-me o que está fazendo nesse fim de mundo, enquanto todos querem ir embora, ele parece que veio para ficar.

- Precisa de ajuda? - Pergunto para ele após guardarmos tudo.

- Não. Nina disse que você é um desastre. - Ele sorri.

- Ei! Posso não saber mexer com o fogão, mas posso cortar alguma coisa. 

- Os dedos?

- É. - Respondo com sarcasmo. - De preferência os seus. - Ele sorri.

- Está tudo bem por aqui, quando terminar eu chamo vocês.

     O cheiro de alho e azeite se espalha pela casa e faz meu estomago roncar. Se a comida estiver tão boa quanto o cheiro, ele está de parabéns. Quando finalmente nos sentamos para comer estamos todos famintos. Lucas fez frango no formo com purê de batatas e arroz. Está tudo uma delícia e eu repito duas vezes, alegando que já havia passado muito do horário que mornamente almoçamos.
     Nina e Lucas conversam bastante sobre várias coisas, principalmente sobre música. Aproveito para perguntar sobre o violão. Ele diz apenas que gosta de tocar de vez em quando, mas não acredito. Aquele tipo de violão é usado por profissionais. Fico intrigada por ele ter mentido ou omitido alguma coisa. Após o almoço eu lavo a louça e Nina me ajuda com os pratos.

- Já que não terei a companhia de vocês amanhã, poderiam sugerir o que fazer nesse fim de mundo? - Pergunta Lucas secando os pratos enquanto eu e Nina lavamos a louça.

- São tantas opções que eu vou fazer uma lista e te entregar depois.

     Olho para minha filha e percebo o tom de brincadeira que ela usa para dizer que fará uma lista, mas Lucas não a conhece como eu. Sei que não tem porcaria nenhuma para fazer nesse lugar aos domingos, entretanto não comento nada e espero para ver o que ela irá dizer para ele.

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