Lucas

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     É triste que eu prefira fugir da minha cidade a ter que enfrentar os meus problemas. Aos vinte e tantos anos você pensa que já amadureceu o suficiente para não fazer esse tipo de coisa, mas aqui estou eu, em uma cidade desconhecida, com o violão no colo a mais ou menos duas horas sem consegui escrever nem uma frase. 
    Sou compositor e faço música para o meu irmão. Meio irmão na verdade. Ele é filho do meu pai com outra mulher e apesar de termos o mesmo pai ele não se parece nada comigo. Dizem que além dele ser mais bonito, todo o talento do meu pai para cantar foi herdado por ele. Eu herdei o cérebro da minha mãe e fiquei com a parte mais fácil.

     Pelo menos para mim.

     Compor músicas é um hobby. E digo com orgulho que todas que fiz para o famoso cantor Theo Lessa fez sucesso. Ele está sempre nas rádios com hits em primeiro lugar. Um monte de shows marcados e dinheiro que não acaba mais.
     No entanto, não componho uma música boa há meses. Fugir faz parte do processo que estou elaborando para me livrar de uma vez por todas do meu irmão mais novo.

      Eu amo meu irmão, mas desde quando ganhou o concurso de música mais popular do país, a fama subiu à cabeça e ele se tornou um idiota completo. Então juntei o útil ao agradável e aqui estou eu, com esse maldito bloqueio de escrita sem saber se o motivo é por que não quero mais escrever para Theo ou se realmente estou com algum problema.
     Sempre fui um cara capaz de me desconectar de tudo e concentrar apenas na minha música, nas minhas letras. Ultimamente tenho falhado completamente nisso. Não consigo me aplicar como antigamente, é como se estivesse faltando alguma coisa.  
     Meu telefone toca novamente. Não entendo como alguém pode ser tão insistente. 
    Tenho tantas chamadas perdidas de Theo que estou considerando trocar de número.

     O cara não desiste. Mesmo depois de ter explicado que precisava de um tempo para escrever.       No fundo ele sabe que não eu quero mais compor para ele. Depois da última briga que tivemos deixei isso bem claro, entretanto sendo um filho da puta mesquinho e egocêntrico ele faz questão de jogar na minha cara o tempo todo o valor da multa que terei de pagar por rescindir o contrato.
     Não que eu não tenha esse dinheiro, mas ele é meu irmão, não precisa jogar sujo desse jeito.

    Pedi então um prazo três meses para compor algumas músicas novas e não posso voltar sem essas malditas composições. Não quando Theo precisa delas para o disco novo que está a caminho. Não posso voltar e decepcionar meu irmão, mesmo querendo matá-lo, ele sempre foi meu amigo.

     Um barulho no corredor chama minha atenção. Quando abro a porta encontro uma senhora sentada na escada com uma sacola de compras caída ao seu lado. Começo a juntar os produtos que estavam espalhados pelo chão e empilhá-los ao lado dela na escada.


- Essas sacolas de hoje em dia são frágeis de mais. - Diz ela com a voz fraca. - Pode conseguir uma nova para mim? Preciso subir com isso e acho que não consigo levar tudo isso nas mãos.

- Eu levo para a senhora. Vou pegar algumas sacolas e já volto.

     O apartamento dela é do mesmo tamanho que o meu. Imagino que todos no prédio sejam iguais, exceto pelo jeito de cada um decorá-lo. As paredes são cobertas por porta-retratos e diplomas, a do lado esquerdo está repleta de livros e na mesa de centro um jarro com flores frescas perfuma o lugar. O ambiente é agradável e limpo, os moveis são clássicos, mas não estão velhos. Um gato passa correndo quando chego e sobe no colo da senhora ronronando enquanto ela faz carinho em seu corpo.
    Na cozinha guardo as compras da melhor maneira possível e fico impressionado com a quantidade de cartas que está em cima da mesa. Todas elas ainda lacradas, parecem ser do mesmo remetente.

- A senhora precisa de mais alguma coisa? - Enfio as mãos no bolso.

- Juventude e força nos braços. - Ela sorri e acrescenta. - Mas não pode me ajudar com isso não é mesmo?

- Infelizmente não. 

- Meu nome é Áurea. - Apesar da mão macia e fina o aperto dela é forte, confiante. - Você deve ser o novo morador. Já conheceu as meninas?

- Sim, já conheci. - Respondo deduzindo que ela esteja falando da Amanda e Nina.

- E o que achou? - Pergunta ela, sem rodeios. Penso um pouco antes de responder.

- Elas são diferentes. - Dou de ombros.

- Verdade. - Murmura - E são como filhas para mim. Tome cuidado porque se apaixonar por elas é muito fácil. Como pretende ir embora, não quero ver corações partidos, principalmente os delas.

     Uau! Essa senhora gosta mesmo dessas meninas. E pelo seu tom de voz parece ser sério o que acabou de dizer. Não tenho a intenção de partir o coração de ninguém, e não vejo como me apaixonaria por elas. 

- Honestamente não sei por que está dizendo isso, mas não quero partir o coração de ninguém.

- Que bom. - Ela se levanta vai até a cozinha. - Vai ficar aí parado ou vai me ajudar fazer o almoço?

     Quem acaba fazendo o almoço sou eu. Enquanto Áurea fica sentada a mesa da cozinha afagando o gato, que se chama Lúcifer. Quando questiono o nome, ela diz que Nina quem escolheu. Sua princesa favorita é a Cinderela e, a madrasta tem um gato com mesmo nome.
     Comemos macarrão com almondegas enquanto ela conta histórias do seu passado, de quando era professora na escola onde Nina estuda hoje em dia. Descubro que nem todos os quadros na parede são diplomas, alguns deles são placas de agradecimento a ela.
     Melhor professora de português/Inglês por dez anos seguidos, cada ano uma placa diferente. Melhor tradutora de uma das editoras mais importantes do Brasil.
     Áurea mudou para cá depois da morte do marido, não tem filhos e nem irmãos, ou seja, é totalmente sozinha. Conto um pouco da minha vida para ela também. Da separação dos meus pais, de como ele se casou novamente com a amante. Conto sobre meu irmão. Não falo quem ele é, mesmo sem saber se ela o reconheceria, quero ser apenas o Lucas aqui, sem a sombra dele atrás de mim. Fico impressionado em como consigo me abrir para ela e contar coisas da minha vida que normalmente não contaria para uma pessoa que acabei de conhecer, porém ela parece uma senhora gentil. Nosso papo fluiu de uma forma boa, falamos sobre música, teatro e claro sobre livros. 

- Amanda tem uma estante de livros como a minha. - Diz ela. - Ela e Nina adoram ler. Você gosta?

- Eu gosto muito de ler, mas é com a música que me identifico. Eu componho para um amigo. - Minto.

- Nossa que coincidência. - Ela arregala os olhos. - Apesar de ser uma excelente cantora, Amanda também escreve letras de músicas. Vocês podiam compor juntos. 

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