O Centenário

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Nenhuma manhã era como a anterior na Mansão Paraíso. A daquele dia em específico seguia a regra, e Xie Lian estava determinado a fazer dela o início de um dia especialmente único, havia muito que se pensar e mais ainda o que fazer.

Os dias tendem a escorrer como areia pelos dedos quando se tira proveito de cada milésimo de segundo que os compõe. O casal que há muito vivia na Mansão Paraíso compreendia a veracidade disso. Não havia resquícios de preocupação ou insegurança quanto ao assunto. Eles sabiam muito bem que, para eles, cada dia que se passava, um novo se somava a suas vidas, e acumularam-se até que completassem anos, e então, ambos saudaram o seu centenário de amor.

Há 100 anos atrás, ambos tomaram o fio vermelho do destino como símbolo de sua união em matrimônio, nunca houve a necessidade de testemunhas ou demais conhecidos que viessem a presenciar o que sempre fora tão claro como água. A certeza do que cada um carregava dentro de si em relação ao outro era expressa em uma atmosfera particular criada por eles mesmos todas as vezes que estavam juntos. Cada beijo, toque, declaração e carinho vinha com uma particularidade única que tornava aquela linha vermelha que os unia tão forte quanto qualquer outra coisa que pudesse existir.

Xie Lian planejava levantar-se mais cedo que o habitual, já que não poderia deixar seus afazeres celestiais de lado. Portanto, a melhor opção seria adiantar tudo até que pudesse ter horas extras livres no dia. Tateou a cama ainda de olhos fechados, procurando seu marido, mas tudo que sentiu fora um punhado de lençóis pretos que irradiavam pouco calor. Sua visão logo se prendeu a um pedaço de papel branco que se destacava em cima de uma almofada cor carmesim, a letra denunciava facilmente o autor. Com o passar do tempo, Xie Lian acostumou-se forçadamente a compreender o que supostamente deveriam ser palavras, e não demorou a ler o bilhete.

"Gege, levantei mais cedo para resolver algumas coisas, lembre-se do nosso combinado.
Com amor, seu San Lang".


"É claro." Xie Lian devolveu o bilhete ao mesmo lugar onde o encontrou enquanto resmungava baixo para si mesmo, mas não havia qualquer resquício de frustração ou incômodo em sua voz. O combinado, que na verdade lhe fora imposto por San Lang, sem que o mesmo aceitasse qualquer contradição, seria que, em um dia tão importante como seu centenário de casamento, Xie Lian deixaria os preparativos da comemoração noturna nas mãos do Rei Fantasma. O Príncipe obviamente tentou argumentar, já pensando em um jantar feito por ele ao seu marido, levando em consideração os anos em que seu San Lang comera sua comida sempre tão disposto, demonstrando total recepção e aceitação para o que quer que Xie Lian cozinhasse, talvez ele pudesse deixar isso de lado e ir mais além.

Por fim concordou, e ao longo da conversa, Xie Lian supunha que provavelmente tenha levado mais de uma hora para convencer seu marido a desistir de ir até a Capital Celestial ameaçar os demais oficiais de que não lhe dessem qualquer trabalho extra naquele dia, e Hua Cheng sucumbiu ao pedido do amado. Assim foi acordado entre ambos.

Xie Lian estava totalmente ciente do que iria acontecer, e essa noite definitivamente seria diferente das demais. O que quer que Hua Cheng estivesse planejando, ele também queria fazer algo a sua própria maneira, e sabia muito bem que independente do que optasse, isto seria recebido por marido da melhor maneira possível.

Duas noites prévias ao centenário, pediu que Yin Yu lhe arrumasse, discretamente, um pedaço de seda branca simples, e o mesmo não tardou em lhe entregar no mesmo dia. O Príncipe sabia que aquele pedaço de pano não seria de grande utilidade a não ser que ele mesmo soubesse como explorá-lo a seu favor, então ocupou sua mente em tentar criar todos os cenários e formas de utilização possíveis toda vez que colocava os olhos no marido. Se surpreendeu por não ser questionado por Hua Cheng quando seu olhar se perdia em seu rosto, fantasiando sobre como fazer algo simples tornar-se memorável. Apesar do Rei dos Fantasmas não perceber, Xie Lian lidou com outro pequeno problema no caminho.

"Não... Espere... Querida Ruoye, não é nada disso." Xie Lian corria atrás da fita de seda branca, enquanto a mesma fugia com rapidez.

Poucos minutos antes da revolta de Ruoye, pediu educadamente que se retirasse do seu antebraço, e assim ela o fez. O que a realmente pegou de surpresa foi ver seu mestre retirar de dentro das mangas um novo pedaço de seda branca! Sua reação imediata fora sacudir-se em protesto, fazendo Xie Lian encontrar uma rápida explicação para o que quer que fosse aquilo.

"Isso é temporário, apenas uma noite, lhe garanto! Olhe... Você já não sabe que San Lang sempre lhe diz para ir brincar com E-ming em certos... Momentos? É exatamente a mesma coisa aqui!" Xie Lian lhe esticou a fita, aparentemente tentando demonstrar o quanto ela seria inútil em comparação a Ruoye. "Ela só me servirá por poucas horas e depois eu a jogarei fora na sua frente, tudo bem?"

A movimentação em protesto de Ruoye continuou e Xie Lian foi obrigado a expandir seu vocabulário de ofensas direcionadas à seda, até que, depois de certo tempo, a agitação foi diminuindo aos poucos e tomou isso como um ato de compreensão de sua preciosa seda.

Pôs-se de pé, vestiu o roupão branco de cultivo e dirigiu-se à Capital Celestial após um breve e rápido café da manhã. O centenário com seu marido não era de conhecimento geral, embora todos soubessem que ambos eram casados há muitos anos. Xie Lian sabia que Hua Cheng não seria do tipo que compartilharia esse tipo de informação com qualquer um, especialmente quando se tratava de um oficial celestial, então para evitar maiores (e talvez catastróficas) desavenças, manteve isso restrito apenas a quem realmente lhe importava, ainda que para seu San Lang, algo tão importante não era algo que lixos inúteis, como Mu Qing e Feng Xin, precisariam saber, mas ainda assim não deixaram de parabenizá-lo.

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