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       Caminhamos lentamente pelas calçadas e ruas de paralelepípedos lado á lado. 

   Silenciosamente o guio até o bairro dos artesões, mais conhecido como Arco-Íris. É minha parte favorita da cidade. Descobri que prezo mais á arte do que outras coisas. 

  Eu amava quando minha mãe cantava pra mim, ou resmungava enquanto cozinhava ou penteava meus cabelos antes de dormir, pra não ficar embaraçados, como costumava ensinar. Ainda faço isso, e diversas vezes dei por mim resmungando a mesma melodia. 

    "Está pensativa, Lady Sombras" Eris comenta.

   Pisco um pouco, trazendo meus olhos de volta ao agora, fazendo minha visão focar na rua qual caminho sob o sol, e não em meus pensamentos barulhentos. "Eu só... estou pensando" resmungo, sem o olhar, corando um pouco.

"Hum, coisas boas, espero." 

Quando ergo o olhar, avisto a ponte do Rio. "Nem todas as coisas quais pensei foram boas" admito, percebendo o tremor na voz. 

"Pode me contar, Lyra" 

Com meu nome, ergo a cabeça. O jeito que disse, a maneira suave e gentil. Engulo em seco mais uma vez. Dividida, entre confiar em meus amigos que me deram mais simples oportunidades e em Eris... 

"Pode confiar em mim" para de andar, virando-se totalmente para mim. 

"Posso?" Indago, sentindo o coração acelerar, e ele pode ouvir, por que o dele faz o mesmo. "Posso confiar em você mesmo depois de tudo de ruim que ouvi desde que cheguei á Velaris?" 

"Pode. Não há razões que me façam mentir para você" está incomodado, posso notar. "Não consigo mentir para você, por mais que eu tente, só quero conhecê-la melhor" 

"Não quer não, quer me pegar pela perna, por que sou o elo mais fraco naquela Corte que seu pai e até mesmo você desprezam" estou ofegante quando termino, meus ouvidos estalam. "Quer tomar vantagem de mim, aproveitar que não sei e não ligo pra porcarias de jogos de Cortes e mentiras" 

    Poderia enumerar todos os motivos que Eris teria pra rir de minha cara, assumir seus planos malignos ou simplesmente me matar aqui e agora, ao invés, ele olha pra mim como ninguém nunca o fez. Talvez apenas... meus pais. 

    Como se visse eu mesma, sem a magia, sem as sombras. Só a Lyra que adora voar livre sobre as árvores e torta e doces e livros. Histórias. Música. 

  Todos que me olham veem só o que querem ver, ou o que eu deixo mostrar. Mas ele... ele não. Ele vê além.

  "Não quero fazer nada com você, que seja do mal Lyra. Há muito de minha história que ninguém sabe, nem mesmo meus pais. Um dia, quero contar tudo, para que acredite em mim completamente"

Eu já acredito. A realização disso me pega desprevenida. "Eu... gostaria de ouvir" decido por fim dar-lhe um voto de confiança. 

Ele sorri, suave e aliviado. "Conto uma coisa minha, e você sua" propõe. 

"Como a magia"

"Exatamente"

"Eu estava pensando em minha mãe" desvio o olhar, mirando os artistas se apresentando metros adiante, do outro lado do Rio. "Ela cantava ou resmungava o tempo todo." Uma pancada assola meu peito. Meus olhos queimam e me sinto tão fria, nem parece que estou sob uma tarde ensolarada. 

"O que aconteceu?" 

"Eles foram mortos, por uma besta. Nunca a encontrei mesmo que a tenha procurado por séculos." Um calor repentino me faz olhar pra baixo, e Eris está segurando minha mão. O calor vem de seus dedos, e se infiltra em meu peito com seu suave gesto de conforto. "Por que é tão gentil comigo se não quer nada?"

"Eu quero. Disse que quero sua confiança, sua amizade"

"Que sente ao seu lado como rainha" relembro, me sentindo um pouco melhor. 

"Sobre mim igualmente" dá uma piscadela. 

Bato em seu ombro, com força ele faz uma careta. "Não seja descarado" meu rosto vira uma maçã.

"Mas ao menos te trouxe de volta" massageia o local, enrugando o nariz. 

"Obrigado" agradeço, mesmo que relutante e um pouco sem compreensão sobre como tudo isso está acontecendo rápido demais. "Meus pais é um assunto complicado pra mim"

"Qual sua coisa favorita, Lyra Fendyr?" E ele retorna ao passeio. 

Sou obrigada á acompanhar. "Música, mesmo que não seja sábio lhe dizer"

"Vai descobrir que não sou o vilão, e o único á mentir ou esconder coisas de tantos outros em diversas Cortes" seu tom fica mais sombrio. 

"Está falando de quem?"

"Morrigan"

Paro de supetão e ele demora uns metros pra perceber, depois volta á minha frente. "Está dizendo que Mor mentiu sobre tudo? Todo esse tempo? Mas a magia dela, o poder, é a verdade" protesto, tentando fazer sentido. 

"Eu menti, por que ela pediu, mas não vou quebrar séculos de crenças em uma só tarde." Sorri de um jeito muito estranho. "Apreciaria se não comentasse isso com Morrigan"

"Você mantêm uma fachada, como Rhysand" concluo, largando os braços. "O que mostra é tudo mentira" 

    Eris fica longos minutos apenas me encarando, analisando, pensando. Não sei o que vê, mas toda guarda que testemunhei ontem se esvai. Um Grão-Feérico abatido, entristecido e vulnerável está diante de mim. 

  "Vai descobrir, linda Lyra, que ser você mesmo nessa ou em qualquer Corte vai te custar muito caro" aconselha sombriamente. 

Um arrepio sobe minha espinha. "Não sei mais o que quero com esse jogo que não sei jogar. Não sou como vocês. Boa em mentir, em esconder e em farsas... acho que vou ter que lidar com meus cacos mesmo" resmungo, conformada de certa forma. 

    Eris permanece em silêncio, e fica assim o resto do caminho até retornarmos á Casa do Rio. 











Corte De Sombras & Cinzas - Fanfic (ACOTAR)Onde histórias criam vida. Descubra agora