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    "Aonde mais quer ir hoje?" Pergunto quando estamos á algum tempo pelas ruas, só indo, sem rumo algum. 

  Minhas mãos ainda estão grudentas do sorvete de mais cedo, mas faria tudo de novo. O gosto do morango ainda doce em minha língua.

  "Eu a fiz perder uma manhã de treino. Você decide"

"Cassian se importa, mas não ficou zangado. Tá acostumado com suas visitas. Ele pode não aprovar, mas também não fala nada" 

"Com certeza. Por falar nisso, como todos tratam você aqui?"

"Por que quer saber depois de tanto tempo?" Inclino pra trás, franzindo o nariz. Essa é a pergunta mais aleatória que ele já me fez.

"Só quero saber." Encolhe os ombros. 

"Tratam como se fosse da família. O que, claro, me deixa muito feliz" respondo, respirando fundo ao sentir o aroma de pão fresco vindo pela brisa. "Sabe, acho que o inverno esse ano chegará mais cedo"

"Talvez, mas na minha Corte é sempre Outono" sua careta é... Adorável.

O jeito que disse me faz rir, tanto que dobro pra frente, segurando a barriga. "Eu me esqueci" admito, secando uma lágrima. "Desculpe, Eris"

   Ele não diz nada. Só... sorri. Sorri como se gostasse de me ver feliz, de me ver bem e contente. Do jeito que às vezes Cassian me olha, orgulhoso e muito satisfeito de minha alegria. E isso faz pequenas rugas adornarem seus olhos âmbar. 

  Porém, o olhar muda, não mais como os de Cassian, algo... profundo, diferente. Uma magia estrangeira, confusa. 

   "Não me olha assim" repreendo, sentindo um revirar gelado na barriga, e apoio a mão. Minhas asas farfalham.

"Assim como?" Entorta a cabeça pro lado.

"Desse jeito. Não sei o que significa" resmungo em um muxoxo, sentindo o rosto corar. "É estranho, até parece um pequeno filhote olhando o frango no meu prato" começo a andar, porém ele não perde um passo sequer. 

"Bem, tal comparação me deu muitas dúvidas. Anda dividindo seu frango com muitos filhotes?"

"Foi Cassian que olhou assim pra minha janta ontem" admito, fazendo-o rir. "Mas é a mesma cara" bato com o ombro no seu. 

   Ainda rindo, ele devolve o gesto, um grande e largo, genuíno sorriso.

   As sombras se enroscam em seus pulsos, dizendo gostar de sua presença, decidindo acompanhá-lo. E ele não faz nada, só as observa com uma calma silenciosa e reverente.

    Acabamos por chegar no Arco-Íris, e diversos aromas se misturam pelo ar. Tinta fresca, madeira de instrumentos, chás e torradas, livros... argila pra cerâmica. 

  "Por que gosta tanto de vir aqui?" Fecho um olho pra poder olhá-lo, por causa do sol intenso, e quase perco o ar. Seu perfil daria uma linda pintura. Outono Na Manhã Da Corte Dos Sonhos. Esse seria o nome. 

"Eu gosto do ambiente" dá de ombros, casualmente colocando as mãos nos bolsos. "É aconchegante, ótima trilha sonora e excelentes torradas. Sem contar nas livrarias. Além que é seu lugar favorito de toda cidade."

Disse isso, uma única vez, á muito tempo atrás. "Você é mesmo algo incomum, Eris Vanserra" murmuro, tentando assimilá-lo. 

    Ele caminha direto pra um jardim, onde inúmeros músicos estão se apresentando. A música é tão alta que podemos ouvir á metros de distância. 

  Sigo Eris, tentando resistir o efeito que a melodia me causa, mas tá cada vez mais difícil.

  Paro ao lado de Eris, que analisa o jardim profundamente, seriamente. Está decorado com fitas e bandeirinhas, roupas rodopiam em um turbilhão de cores como pétalas no vento.

   Vários instrumentos, de corda e sopro embalam o público sorridente e cantante. É lindo. Realmente lindo.

  "Gostaria de dançar, Dama das Sombras?" Oferece a mão, sem tirar os olhos dos músicos. 

"Dançar? Agora? Aqui?" Olho pros lados, um pouco ressabiada.

"E existe uma hora certa para dançar, Dama das Sombras?" Agora arqueia uma sobrancelha perfeita em minha direção.

"Acho que me pegou" concedo, torcendo a boca. Mais uma vez, que já ele havia me calado mais cedo quanto a questão do sorvete.

  Talvez seja ilegal dançar com Eris comenta um tentáculo, parecendo tenso de repente.

    Talvez, se fosse realmente um inimigo da Corte, Rhysand não deixaria Eris entrar aqui, nem me faria sua acompanhante de visitas. E é a vez de minhas sombras deixarem as dúvidas pra outro momento. 

  Sem hesitar, meus dedos grudentos encontram os seus, e meus calos raspam contra sua pele macia e quente. Um aperto é tudo que ele faz antes de me puxar, e me deixo ser guiada pra pista de dança, encolhendo bem as asas. 

  No Inner Circle, por menos que queira fazer, sempre me pego tentando impressioná-los, de várias maneiras. Me provar ser digna, mostrar que não sou inútil, que sou necessária de estar entre eles.

  Não gosto disso, mas diversas vezes reparei no que estava fazendo, e continuei, com um receio profundo e enraizado de que se eles não verem o quanto posso ser útil irão... bem, me mandar embora, e impressioná-los com minhas habilidades e conhecimentos é um jeito de provar que posso ficar. 

   Mas gosto de passar esses momentos com Eris, por que são fáceis, calmos e despreocupados. 

  Eris me segura como havia feito na Cidade Escavada, no entanto o local é muito diferente. Até mesmo o ar aqui é outro, quem dirá a dança. Tentamos seguir os passos mas são muito rápidos pros meus pés.

   Não há passos como na valsa, é tudo um caos de braços e pernas ao nosso redor. 

  "Eu não faço a menor ideia de como dançar isso, Eris!" Quase tenho de gritar, porém ele sorri e balança a cabeça, continuando a me guiar. 

"Nem eu! Só vamos com eles!"

   E assim fazemos, rodopiando ao som da música, pés e palmas e o ritmo cada vez mais veloz. 

  Não sei o que fazemos, só sei que tropeçamos, e Eris acaba indo parar dentro de um arbusto com flores rosadas aparado com formato de galinha. 

   "Eris?" Vou espiar, e ele surge, cheio de flores, folhas e galhos por todos os lugares. Não consigo impedir a risada, qual é acompanhada por todos. Nos tornamos o centro de atenções pelo acidente. 

"Estou bem, pessoal" sai do arbusto, batendo as roupas despreocupadamente. "Apenas a vergonha fora danificada, meu corpo e roupas estão intactos" 

   Batemos palmas em comemoração, o que o faz corar.

   Pomposamente me oferece a mão mais uma vez.

   Com uma gritinho de alegria, agarro-a e o puxo pro redemoinho de dançarinos, que agora voltam com seus passos rápidos e corações ligeiros.

 E somos mais dois no turbilhão de cores e risadas e alegria, mas tenho a pequena impressão de que talvez meu peito seja o mais feliz de sentir viva depois de tanto tempo adormecido.

Corte De Sombras & Cinzas - Fanfic (ACOTAR)Onde histórias criam vida. Descubra agora